15.1.09

O Amigo Policarpo

Não posso deixar de referir que considero estas palavras uma verdadeira barbaridade. Não me ocorre outro termo. (Talvez "aberração".) Vão contra tudo aquilo que a Igreja Católica apregoa, e mostram muita da contradição que preside à existência deste agregado religioso.

Não considero que devamos encarar estas declarações de ânimo leve e sem discutir devidamente a gravidade do assunto.


(video da autoria do Bruno Aleixo ou lá o que é, procurem na net)


Quando ontem pela primeira vez escutei as palavras do Amigo Policarpo senti-me num instante regredir cinquenta anos, até um tempo que não testemunhei, que me contaram como seria, e que imaginei nunca viver.

Casar com um muçulmano é o cabo dos trabalhos, é um monte de sarilhos, diz o Amigo Policarpo. E vai aconselhando as meninas casadoiras, porque elas não têm vontade própria e não sabem, nem podem, decidir por si. Esta é a mentalidade, este é o espírito das palavras do Amigo Policarpo, alguém de quem um dia se disse poder sentar-se no trono de Pedro. Senti-me num instante regredir cinco décadas no meu Portugalzinho, retornar ao tempo em que por cá se vivia a preto e branco do Minho a Timor, sendo que o branco brilhava e humilhava e o resto trabalhava, senti-me descer ao inferno do tempo da discriminação racial nos Estados Unidos (brancos casam com brancos, negros com negros), ao Apartheid na África do Sul, à Alemanha do Nacional Socialismo, senti-me entrar pelo túnel da Idade Média e ali me esgueirar para não ser trucidado por um ninho de infiéis a galope em cavalos brancos. Senti-me lixado com f...

Este não é o Portugal livre pelo qual luto todos os dias. Isto não é o futuro que eu desejo para os filhos que resultem das trancadas maravilhosas que hei-de partilhar com a mulher igualmente maravilhosa que comigo alcançará tal ensejo.

São graves as declarações do Amigo Policarpo. Tanto que o momento não é oportuno para ferir sensibilidades que nesta altura estão postas em xeque quase mate. Estará o Amigo Policarpo a tentar contribuir para a descida da taxa de divórcios em Portugal, cortando o mal na raiz e evitando a realização do casamento? Mas para tal, deveria aconselhar precaução nos matrimónios com todo o tipo de homens, e sabe-se que mulheres espancadas e com problemas no lar existem em todas as expressões religiosas.
Não posso concordar com as palavras do Amigo Policarpo, e assustam-me, porque se o Amigo profere estes pensamentos em público, provavelmente aquilo que fica por dizer será passível de causar estranheza e choque maiores.

Tinha o Amigo Policarpo em muito boa conta, como um humanista sensato, que fazia da ponderação a sua maior arma, e capaz de congregar à volta de uma ideia até mesmo aqueles que não são Católicos. Mas estas declarações desfizeram a ilusão, e mais do que isso entristeceram-me. Porque são pedradas num charco já de si infestado pelos répteis do desânimo, não há meio de atingirmos uma margem de salvação, e são estes pensamentos e estas pessoas (que afinal não desapareceram e estão mais presentes do que possamos julgar) que me fazem desacreditar nas possibilidades deste país crescer, deste país se emancipar e se tornar numa coisa séria.

Já se sabe que por cá a culpa morre solteira. O assunto vai esfumar-se, amanhã está esquecido, e tudo prossegue como se nada tivesse acontecido.

Mas façamos o esforço de imaginar o cenário seguinte. A autoridade máxima do Islão em Portugal diz, numa conferência: "cuidado meninas muçulmanas, pensem muito bem antes de se enrolarem matrimonialmente com um desses católicos safados, machistas e polígamos que por aí andam. Eles só querem é truca-truca, acham-vos uma espécie exótica e estão convencidos de que quando chegam a casa é kebab e falafel todo o santo dia. São um monte de sarilhos."

O que aconteceria no dia seguinte?

4 comentários:

Anónimo disse...

Estás lixado com f, que eu digo estar fodido, porque tens toda a razão para estar assim.
Já eu, que não considero a igreja católica exemplo de nada, apesar de sentir profundo despreço pelas palavras do Policarpo, digo-te que não me chocam.
O que mais há nas chamadas religiões, que não passam de um negócio montado sobre a ignorância e os medos do povo, é barbaridades destas.
O que mais há é precisamente o que eles dizem personificar a imagem do mal, ou seja, mentes limitadas, desejo do mal a quem é diferente, despreço pelas diferençs que nos tornam iguais.
Mas se ele disse isto, o que não dirá em privado!

Bruno disse...

Cris, obrigado pelo teu comentário.

Mentes limitadas, desejo do mal a quem é diferente, ou simplesmente indiferença a quem está ao nosso lado, existem em todo o lado. Mas o pior é quando são aqueles que apregoam ser alguma coisa terem atitudes que não correspondem àquilo que apregoam.

Obrigado, volta sempre.

Anónimo disse...

já fui em tempos católica praticante, muitos sacramentos feitos, catequista, acólita, corista, o pacote todo. mas a certa altura da minha vida renunciei à instituição "igreja", ao vaticano e a todo o poder e ostentação que para mim não fazem sentido na minha relação com deus.
passada esta página, e sendo ainda crente em deus (mas crente à minha maneira), e após ter ouvido as palavras do sr.policarpo e as desculpas que vieram a público proferidas por porta-vozes do mesmo...sou só eu, ou a desculpa do "as declarações estavam fora do contexto" era desnecessária e rídicula!? tudo o q ele disse nem precisa de estar contextualizado, tem valor por si só!
com base na minha experiência posso dizer que o sr.policarpo não sabe de todo o que diz. ele pode saber muita coisa, mas isso não sabe. não conhece bem o islão, de todo.
falando em termos de casais em que os conjugues são de credos diferentes, posso dizer que conheço pelo menos 5 casais em que 1 é muçulmano e o outro ou é católico ou ateu. resultado: juntos à muito tempo, filhos criados ou quase, felizes mas com as dificuldades normais da vida, festeja-se o natal, o ramadão, o eid ul-fitr, a páscoa, tudo! e os tais "sarilhos" a que o sr.cardeal se referia...hum não! ninguém explodiu nenhuma bomba, ninguém é inferior a ninguém, não se joga pedras a ninguém, NADA!
e para realçar mais ainda esta realidade, posso dizer que vivi num país muçulmano durante 1 ano, no kuwait, um dos países mais fechados do médio oriente e cujas leis são baseadas totalmente no islão. lá conheci mulheres de várias nacionalidades: das filipinas, kuwait, líbano, iraque, egipto, síria, até da etiópia! todas elas muçulmanas. e todas elas de bem com a vida, até arrisco dizer, melhor que eu! todas elas casadas, algumas cujos maridos pagaram o dote aos seus pais, do que vi, do que tive conhecimento, nunca vi os homens tratarem tão bem as suas mulheres. antes de ir, tinha a ideia formada em como elas eram oprimidas e umas coitadinhas! que nada! são poderosas! os maridos tratam-nas como rainhas, juro! e as que usam a abaya, o xador, a burka, ou apenas o hijab fazem-no porque o marido ou os pais dizem para usar, ou algumas por vontade própria. não o fazem por opressão. faz parte da cultura e a beleza deste mundo está mesmo na diversidade cultural!
provavelmente hão-de comentar que devia ter vergonha em dizer isto, mas na realidade não tenho, cada vez me entristece mais ser portuguesa. depois de conhecer outras realidades, sinto-me tão pequenina...para falar verdade, nem nos descobrimentos que fizemos em tempos eu consigo ter orgulho, porque até aí conseguimos ser uns bárbaros ao nos impormos! acho que só me orgulho da nossa língua, por ser a 5ª mais falada do mundo (graças a esses mesmos descobrimentos e colonizações)...e depois a mentalidade em geral é muito "poucochinha", não sei se me faço entender. isto é só um desabafo, não levem a sério se preferirem.

.márcia

Bruno disse...

Márcia, obrigado pela visita e comentário. E também pela reflexão.

Tinha também essa ideia sobre a forma como vivem as mulheres muçulmanas. Acho que de facto estão de bem com a vida, como dizes.

Das reacções que ouvi, até me parece que nem chegou a exisir nenhum pedido de desculpas por causa das declarações do Cardeal. O que ouvi foi alguns colegas a apoiarem e a tentarem "esclarecer" o que não pode ser esclarecido. Houve até um que disse que eram declarações "oportunas". Portanto, quando está tudo bem, tudo acaba bem.

Volta mais vezes.