16.1.09

A informação na televisão portuguesa












O que não se compreende é que, em casa, um reles espectador como eu consiga saber mais do que os manfios que deviam informar-nos do que se estava a passar. Não primo pela inteligência, devo assumi-lo. E se alguém pensa o contrário, é bom que deixe de pensar nisso e pense que está a ser muito bem enganado.

O António Lobo Antunes tem um conto chamado A História do Hidroavião (com ilustrações do cantor Vitorino), o recentemente falecido Michael Crichton escreveu o romance Airframe, sobre segurança aérea, indústria aeronáutica e aviões que se espetam violentamente contra o chão não resistindo ao apelo da gravidade. (Este último chegou a dar algum brado com a TAP, devida à referência que surgia no livro a uma companhia aérea portuguesa).

Qualquer destas ficções vigorosas seria ultrapassada pelo insólito desta realidade. Um avião aterra no rio de uma grande cidade e todos os 150 ocupantes sobrevivem. Molhados que nem pintos, mas vivos que nem alfaces.

Mas dizia eu que não se compreende a forma de trabalhar destes homens e mulheres da televisão. Quase sobre as nove da noite, o jornal da SIC mostrava imagens à distância daquilo que seria um avião de pequeno porte, com 12 pessoas a bordo... mudamos para a RTP1, José Rodrigues dos Santos pisca o olho e diz que é um Airbus A320, leva uma centena de manfios lá dentro... reproduziram-se depressa, pareciam coelhos... foi aproveitar, já que ia cair, vamos lá pôr a mão no pudim... pouco depois as imagens confirmam, um avião está a boiar nas águas do Rio Hudson, parecem os seios da Sónia, mas com os seios à tona e a Sónia debaixo de água... mudamos para a SIC, que agora já reconhece que são mais de 150 ocupantes... a TVI dá um comentário de boca torta do Miguel Sousa Tavares, provavelmente sobre a série Equador ou o caralho, ou sobre a menina de Torres Novas e os pais ao barulho... a TVI acorda para o desastre... a SIC acciona o Luís Costa Ribas, é o gajo que mais percebe de americanices em Portugal, e desde que envolva americanices fala até de questões aeronauticas, da temperatura das águas do Hudson e se naquele dia têm crocodilos, piranhas, ou tubarões... salto entre Bloomberg, excelente informação, completa, concisa, sem momentos mortos (!), com novidade... a CNN mais estática, mas em cima do acontecimento... a Sky News com sotaque... pico algumas rádios de Nova Iorque cravadas no meu receptor wifi... WNYC, WCBS, WABC, WINS... fico pelo Bloomberg e pela CNN, estão no terreno... volto à SIC, o Luís Costa Ribas mostra um desenho de Manhattan... o Rodrigo Guedes de Carvalho insiste que o avião se despenhou nas águas do Hudson... se se tivesse despenhado provavelmente não estaria inteirinho, e se estivessem atentos às informações que outras cadeias apuraram já teriam compreendido que o que aconteceu foi um pouso sobre a água, uma amaragem.

Viva a liberdade de informação, mas nem tanto ao mar...

2 comentários:

Anónimo disse...

hilariante! a tua forma de explicar a abordagem jornalística dos OCS nacionais! hilariante porque é exactamente assim que eu os vejo. informação espectacular! quanto mais dramático melhor. quanto mais água meter melhor. vão buscar coisas que não lembra ao diabo!
e já chega a ser cansativo ouvir que tudo acontece por causa do terrorismo. é só alarmismos desnecessários! quando se foi a ver (pelo que ouvi), foi um bando de pássaros que chocou com o avião! - e neste momento estou com cara de parva!
quando estava a estudar comunicação social, os professores das cadeiras de jornalismo sempre nos alertavam, em especial, para a qualidade "muito duvidosa" do jornalismo da TVI. agora, e passado pouco tempo, acho que a TVI não está sozinha nisto. mas não é um mal apenas nosso. lá fora as coisas desenrolam-se da mesma maneira, apenas em outras línguas...
acho que só se salva a informação desportiva...ainda!

cumps,
márcia

Bruno disse...

Olá, Márcia! Naquele caso, para além de sensacionalista, pareceu-me que meteram os pés pelas mãos ao tentar dar aquilo sem terem a certeza do que estava a acontecer.

Meteram umas imagens no ar (gamadas à CNN, como é da ordem), e depois toca a improvisar sobre o boneco. Não podia dar bom resultado. Mas ainda assim compreende-se que tivessem querido dar a notícia no momento em que estava a acontecer.

Agora, o que eu, pelo menos, não compreendo é o poder desmesurado que a televisão ganha nestas circunstâncias. Acidentes com aviões acontecem de vez em quando, o facto de haver câmaras apontadas e das cadeias de televisão americanas estarem penduradas na notícia amplificou o acontecimento. Um avião que caia na Cidade do México, ou no Quénia, ou na Turquia, não tem o mesmo valor noticioso de um acidente em Nova Iorque.

Ainda no outro dia uma jangada virou-se na Guiné-Bissau, 70 pessoas terão ido desta para melhor e não se ouviu um sopro nas televisões portuguesas. Todos os dias no Paquistão, Afeganistão, Índia, há atentados, morrem pessoas às dezenas, mas como é mais do mesmo não importa.

O que importa é mesmo o espectáculo. É a informação fast-food. Mas em grande quantidade, para enfartar.

Quanto aos desportivos, não concordo contigo. Acho que vão pelo mesmo caminho. Demasiada fantasia, especulação, notícia (ou ficção) a todo o custo, porque é preciso alimentar a malta, mesmo que não haja nada para dizer. Se não houver, vai-se ter com quem diga alguma coisa, ou simplesmente inventa-se.

Beijos