30.3.09

Sou um coitadinho mas (não) quero que se saiba

Ele desempenha a função de Relações Públicas de um estabelecimento de diversão nocturna, daqueles frequentados por janotas envolvidos em nuvens de água de colónia, e ele concedeu uma entrevista a uma daquelas revistas de fim-de-semana a pender para os tons rosa, daquelas cujas páginas são invadidas por gente anónima disfarçada de alguém que julga ter feito alguma coisa importante.

Este indivíduo tem destaque em duas páginas, com uma fotografia a toda a altura de uma das páginas, e olhando para a sua fácies e para o nome dele, não é difícil concluir que esta é uma personagem da qual a esmagadora maioria da população portuguesa nunca ouviu falar, mas que a partir de agora vai passar a fazer parte do cardápio dos emergentes sociais. Mergulhando no texto ficamos a conhecer os dois motivos para a concessão desta entrevista: ele é alguém importante para um conjunto de pessoas que o conhecem, mesmo que uma minoria de esclarecidos que saem à noite; ele é seropositivo e quer mostrá-lo a todo o país.

E é aqui que a porca torce o rabo, sem qualquer ideia de segundo sentido. Este indivíduo conta a história que assolou a sua vida: há dois anos descobriu que estava infectado com o VIH e desde então tudo foi diferente. Ele era um pacato cidadão do mundo, tinha uma relação de oito meses e sempre que mandava uma cambalhota marota enfiava-se dentro da camisinha (entendam isto na perspectiva que quiserem). Mas uma vez, uma única vez, a camisinha ficou na gaveta, e a partir de então foi uma sucessão de azares daqueles de não se desejar a ninguém.

Então não é que a cara-metade deste nosso amigo convivia com o vírus há uns anos e não lhe tinha dito nada (um acto de perfídia, confessaria o relações públicas)? E não é que naquela única relação sexual desprotegida o raio do bicho resolveu picar com toda a força? Ele que sempre se precavera dos riscos mais prementes. E logo naquele dia em que a piroca andava ao léu o bicho não estava distraído.

Mas a sucessão de azares não fica por aqui, amiguinhos. Trancada mandada, trancas à porta. O indivíduo começou a sentir-se cansado, começou a sentir-se afectado por constipações sucessivas das quais levava imenso tempo a livrar-se, começou a perder peso. Perdeu cinquenta quilos. Feitos os exames médicos descobriu que tinha a porra do bicho. E como um azar não vem só, o indivíduo não está sequer a ser medicado porque o vírus é resistente aos fármacos que ajudariam a controlar a infecção. Eventuais feridas que surjam levam muito mais tempo a cicatrizar, e por isso mesmo, num acto de grande lucidez, para evitar complicações, o relações públicas ponderou alguns cuidados. Uma das medidas mais imediatas foi depilar a barba a laser... que é algo que se aconselha aos seropositivos. Antes de pagarem os medicamentos, que são baratinhos, depilem-se a laser, que também é baratucho. A segunda medida mais imediata talvez tenha sido conceder esta entrevista, que é outra coisa que também se aconselha a quem está doente, nem que seja com uma simples rinite alérgica. Ele diz que foi difícil no meio onde trabalha as pessoas lidarem com a situação, mas que agora já começam a entender e vêem-no como o relações públicas, o relações públicas seropositivo.

Existe no entanto algo que o preocupa mais do que tudo. O modo como a irmã de 13 anos poderá encarar esta situação quando souber o que se passa. Eu estou em crer que talvez não ache grande piada quando abrir esta revista lá na escola, ou quando se cruzar com alguém no autocarro a ler a entrevista, e se deparar com a figurinha que o irmão está a fazer.

Mais uma de Augusto Santos Silva

"Se o senhor arranjar uma gravação de um vídeo com outro a dizer que eu roubei num supermercado, não significa que eu tenha roubado num supermercado"

Augusto Santos Silva, Ministro Malhador e Emplastro Socialista dos Canais Televisivos, em comentário à gravação na qual Charles Smith chama corrupto a José Sócrates

Temos então razões para concluir: se alguém arranjar uma gravação de um vídeo com alguém a dizer que vai arranjar 150 mil empregos para os portugueses ao longo dos quatro anos seguintes, isso não significa que os empregos algum dia apareçam.

Mas a propósito de roubos em supermercados, o melhor mesmo é ler esta história.

Augusto dos Santos Silva, uma história de vida

Augusto dos Santos Silva trabalhou durante cinco anos no sector da padaria dos supermercados Kinfuku. Há pouco mais de uma semana foi preso por suspeita de envolvimento num assalto ao supermercado onde trabalhava. Isto foi o que li aqui, será que devo acreditar?

28.3.09

Futebolês















Ontem, ouvi Cristiano Ronaldo dizer que "Portugal vai entrar para dentro de campo com vontade de vencer". E que até vão dar o melhor deles esta noite contra a Suécia. A isto, amigas e amigos leitores, chama-se "futebolês", na sua variante "cristiano-ronaldesa". Chegará o dia em que ainda vamos ver os jogadores portugueses entrar para fora, ou sair para dentro. O futebol tem destas coisas, esta capacidade de criação que permite reinventar a língua sem que ela perca a sua beleza. Parafraseando Mário Jardel, num raro momento de inspiração linguística: "clássico é clássico e vice-versa". Volta Mário, estás perdoado.

Férias

Esta semana perguntaram-me quando estaria a pensar tirar férias. E de repente senti-me a fazer as malas e a rumar ao destino traçado. Vistas bem as coisas, já poucos meses faltam. O destino está escolhido, o plano de viagem mentalmente delineado, e a vontade de partir é ainda maior do que no ano anterior. Este ano um regresso a paragens já conhecidas, uma revisão da matéria dada. Uma coisa é garantida, vão ser três semanas durante as quais o telefone não vai tocar. Simplesmente porque vai ficar fechado em casa, dentro da gaveta. Viva o verão!

27.3.09

Papa: foder* até não mais poder












O apelo partiu de um grupo de italianos esclarecidos que se propõe enviar para o Vaticano, ao cuidado do Papa Bento XVI, preservativos até dizer chega. Inicialmente, devem chegar umas 60 mil borrachinhas, mas a ideia é invadir as caixas de correio da Praça de São Pedro com milhões de balõezinhos prontos a terem uso. Este grupo pretende servir-se de redes sociais como o Facebook para divulgar a ideia, e convida cada pessoa a fazer chegar uma camisinha ao Papa (não usada, de preferência, o pastor lá haverá de encontrar no rebanho alguma forma de lhe dar destino).

Por mim vou cumprir a parte que me cabe. Vou sair daqui a pouco para comprar uma caixinha de preservativos (dos maiores, que esta gente da Igreja deve ter instrumentos de coimar dotados da força divina), e ainda hoje faço-a seguir para o Vaticano em correio azul internacional de última hora. Estou certo de que alguém saberá dar-lhes uso.

* para os leitores mais sensíveis, sugere-se a substituição do termo "foder" aplicado no título desta publicação, pela expressão bem mais digna "papar", que se adequa com toda a propriedade a este contexto.

Informação ao consumidor

Neste blogue não existem fotografias de Mónica Sofia desnudada e em poses escaldantes, tão pouco ligações para textos ou fotografias de conotação disforme e índole desbragada. Trata-se de um blogue sério e não adianta andarem por aqui à procura de análises ao conteúdo da primeira edição da Playboy portuguesa porque não nos sobra tempo para nos dedicarmos a tais invenções do mafarrico.

Se acaso foram movidos pela curiosidade e admitiram cruzar-se aqui com fotos de tal cariz, a gerência lamenta desiludir-vos. Podemos ter outras coisas que vos interessem, reflexões talvez mais educativas, e que poderão ajudar-vos a ocupar algum do vosso precioso tempo desperdiçado a espreitar blogues desinteressantes (este o mais desinteressante de todos), como são os casos desta, desta e desta.

25.3.09

O que é a net art?

Há dois anos tive um primeiro e único contacto com este tipo de arte ainda pouco divulgada no nosso país. Nessa altura conheci o artista colombiano Santiago Ortiz, de passagem por Lisboa. Mais do que tentar explicar, sugere-se uma exploração atenta dos muitos projectos disponíveis. É arte que se mistura com ciência e que apela à participação do receptor. São projectos (muitos), que levam a outros projectos, numa espiral artística quase infindável.

A Internet é o meio onde a arte se concretiza.

Santiago Ortiz (projectos)

http://moebio.com/santiago/

Projecto LX 2.0 da Galeria Lisboa 20 Arte Contemporânea

http://www.lisboa20.pt/lx20/

24.3.09

A primeira vez

Naquele dia ganhei a certeza de que era preciso conquistar para além do monte. Vénus, disse ela. Era preciso ser audaz, deixar-me guiar pelos seus dedos, espertos em desfiar-se de enredos novelísticos de lã virgem. Perscrutávamos aqueles caminhos de uma noite obscura, tacteando a estrada de tracejados descontínuos, desmaiando a cada instante em curvas empeçonhadas de óleo, vislumbrando em mim o atrito e esperando em ti a fusão. Disseste-me que seria capaz. E eu acreditei. Fui em frente. Peguei no volante, engrenei a primeira e entrei fundo até mais não poder. Atingi o cume da red line. E depois não consegui voltar a ser eu. Esgotei-me num bocejo tépido e humedecido, num esvaziamento apático de casca de tremoço. E engatei uma segunda...

23.3.09

Istambul



Gosto deste vídeo. Uma das cidades mais populosas do mundo (mais de 11 milhões de habitantes). Para quem conhece, é um regresso. Quem não conhece, talvez sinta o chamamento. Uma cidade bonita, estranha, moderna, que parece que nunca mais acaba e que nos abre as portas para o Oriente. Para lá do Bósforo já é outra coisa.

A Guerra do Futebol














O estatuto editorial deste blogue não contempla conversas à volta desse tão martirizado universo que é o do futebol, até porque quando se fala em bola as pessoas exaltam-se, interpretam geralmente com o coração e desprendem-se da razão, originando equívocos e instigando farpas. O que se passa dentro das quatro linhas por lá fica. E o que sobra para esta reflexão é a espuma do acontecimento.

Não vou debruçar-me sobre a validade ou não da grande penalidade que esteve na origem da polémica deste fim-de-semana. Quem tiver visto poderá fazer a sua análise melhor do que eu.

Interessa-me sim compreender a dimensão simbólica de que se reveste um jogo com a duração de noventa minutos. Sociólogos ou psicólogos encartados poderão explicar melhor como se processam estes fenómenos de metonímia, que serão talvez dos aspectos mais importantes para a compreensão do fenómeno do futebol e da sua representação enquanto ideal simbólico. O espectador revê-se na dispersão dos jogadores sobre o relvado e replica-se nas contingências da equipa ao longo de um encontro de futebol. Trata-se de uma representação da sua vida: o confronto com a sorte, o azar, as injustiças, a matreirice, os roubos, o falhanço, a glória, o logro, o engano, a estratégia. O futebol é a representação da vida: revemo-nos na nossa equipa, e o outro conjunto surge como a representação de todos os obstáculos que surgem na nossa vida. Com a grande diferença de que ali tudo se pode remediar no fim-de-semana seguinte, na época seguinte, na taça seguinte. Ao passo que na vida real não existe semana seguinte, nem dia seguinte, ou pelo menos não é possível parar a nossa existência até lá chegarmos, existe um continuum, uma engrenagem sempre em movimento.

O futebol um campo de batalha

A situação em Portugal não atinge as dimensões catastróficas que se reconhecem, por exemplo, na realidade latino-americana. Por lá, a força do futebol é também a sua fraqueza. A paixão pelo jogo é também aquilo que o destrói.

Na Colômbia, as ameaças de morte a jogadores, treinadores, dirigentes e até jornalistas não são raras. Em 1994, depois do Mundial nos Estados Unidos, o jogador Andrés Escobar foi brutalmente assassinado com 12 tiros junto ao restaurante "Estadero El Indio". O motivo: ter marcado um golo na própria baliza na derrota contra os Estados Unidos. (ver aqui)

Em 1969, um jogo das eliminatórias de qualificação para o Mundial de Futebol, entre as selecções das Honduras e de El Salvador, originou uma guerra. Antes do encontro, adeptos hondurenhos ameaçaram e pressionaram fortemente a selecção adversária. Os jogadores salvadorenhos acabaram por ceder uma derrota por 1-0, já nos instantes finais da partida. Em El Salvador, a esperança da qualificação para o Mundial dá lugar ao desânimo e em consequência uma jovem de 18 anos acaba por se suicidar. O acto foi transformado num martírio nacionalista, o funeral teve honras de Estado, e a cobertura mediática do acontecimento encarregou-se de transportar a emoção patriótica a todos os cantos do país.

No jogo da segunda mão, de visita a El Salvador, a selecção das Honduras tinha à espera um verdadeiro inferno. A coragem de dois adeptos hondurenhos que ousaram deslocar-se ao estádio adversário para apoiar a sua selecção valeu-lhes a morte. Foram assassinados. As represálias não se fizeram esperar. Nas Honduras, os emigrantes de El Salvador foram perseguidos e mortos. Os dois países cortaram relações diplomáticas, e um mês depois do primeiro duelo dentro das quatro linhas um bombardeamento da força aérea salvadorenha incendiou os ânimos e incitou a uma guerra que durou quatro dias e provocou três mil mortos: ficou para a história como “a guerra do futebol”. (ver aqui ou aqui)

Os poderes do futebol

Não surpreende que o futebol se tenha tornado refém das cúpulas de poder, visto como meio de potenciação dos ideais de nação e veículo privilegiado de propaganda utilizado por vários regimes ditatoriais ao longo da História mais recente.

Mas essa integração do futebol como símbolo privilegiado de representação identitária não é exclusiva dos regimes autocráticos, até porque a grande força do futebol emana da sua democraticidade e do seu interclassismo.

Esta ideia de representatividade é rejeitada em países que congregam num mesmo estado diferentes comunidades ou povos, como Espanha ou Bélgica. Nem por isso os ânimos mais particulares deixam de se congregar numa única selecção nacional que engloba em si as várias nações. A força e a particularidade do futebol leva a que cada elemento desses diferentes povos se reveja na mesma representação simbólica, a sua selecção.

No pólo contrário, e atentando para este género de construção simbólica, encontramos o caso do Reino Unido, que não actua no campo do futebol como selecção única, mas se decompõe nas várias representações de cada um dos povos da união: Inglaterra, Escócia, País de Gales, Irlanda do Norte.

No entanto, a ideia de que uma equipa de futebol representa um país, uma cidade ou uma região é, em termos práticos, falaciosa, na medida em que os clubes representam apenas um conjunto de associados e as selecções nacionais se apresentam como representantes da federação do respectivo país, não suportando qualquer vínculo de representação administrativa ou diplomática desse Estado.

A importância do futebol, enquanto fenómeno aglutinador de massas e de emoções, não pode passar ao lado da ideia de construção da identidade. As equipas de futebol são entendidas como os novos exércitos, e as consequências das suas vitórias ou dos seus fracassos reflectem-se com maior intensidade do que as vitórias ou os fracassos nos campos de batalha convencionais.

Esta importância só pode ser compreendida à luz da força simbólica que o futebol foi sabendo construir. Porque, vistas bem as coisas, é apenas um jogo, são apenas quarenta e quatro pernas á procura de chutar uma bola para dentro da baliza adversária. E são apenas noventa minutos. Há formas bem mais interessantes de nos chatearmos por causa de hora e meia de correria e lançamento da gosma.

sugestões:

DYNAMO - Defending the Honour of Kiev
Uma história de resistência no período da Segunda Guerra Mundial, que relata o jogo entre as forças da Luftwaffe e o FC Stat, e equipa de Kiev, outrora designada Dínamo de Kiev. Tem versão em português do Brasil, mas não me recordo o nome.

GOAL DREAMS
Um documentário sobre a preparação da selecção de futebol da Palestina para o Mundial de 2006

Almada

Tem para mim o mistério das tardes de verão dos anos 80, com pés preenchidos de areia, as intermináveis filas de regresso à ponte em direcção a Lisboa, e a baguete do Jumbo a fazer furor junto à Rotunda de Almada. Por muito que custe a quem por lá passava, e a quem se acostumou a ver naquele espaço uma referência dos veraneios pela Costa da Caparica, há muito que a alma do nosso querido Jumbinho foi encomendada ao criador. Um crime contra a humanidade, dirão alguns. Aquilo fazia parte do património histórico de qualquer almadense. Ou talvez não fizesse. De qualquer modo, não se compreende. Não há Fórum que substitua um Jumbo numa rotunda que bifurca ou para Almada ou para a Cova da Piedade, com a possibilidade de rumar a Cacilhas. Lavro aqui o meu protesto.

(à data, início da década de 80, supermercados com a dimensão daquele eram muito poucos. E Jumbo era sinónimo de grande superfície, juntamente com os ACSantos, Pingo Doce, Pão de Açúcar e alguns outros)

20.3.09

Curta-metragem

Estava aqui perdido entre o sopro de uma lufada fria do ar condicionado e uma pesquisa sobre coisas diversas, e decidi que tinha de fazer algo pela humanidade. Não para a salvar, já que esse é um desafio praticamente inalienável, sobretudo para um 'herege' da minha estirpe, mas para lhe protelar a desgraça.

Várias coisas me passaram pela cabeça, uma das quais seria saltar para cima de uma mesa e gritar "Okinawa!"... para depois me voltar a sentar como se nada tivesse acontecido. Um desvario momentâneo, a que não será alheia a invulgar sessão de cinema que tive o privilégio de testemunhar ontem à noite. "Okinawa", uma grande curta, num local insólito.

Quando falta água em casa logo de manhã




















E lembrei-me subitamente dos papéis que arrecadara entre as páginas do livro que tinha acabado de ler no mês anterior. Corri até à cozinha, já suficientemente desperto por tão grande bestialidade, achando indesculpável um esquecimento daquela ordem, incomodado por me ter lembrado de pôr as facturas da água e da electricidade a servir de marcador de livros, não passo de um imbecil, pensei, não haveria nesta casa marcadores de livros?, nesta casa onde existem milhares de livros... Abri uma das torneiras da cozinha para confirmar a suspeita, e de lá soltou-se um espirro rouco de ar misturado com o líquido que ainda permanecia na canalização. Tinha-me esquecido de pagar a conta da água!

Colei os olhos à janela e dei com os funcionários dos serviços municipalizados lá fora em trabalho acelerado, às voltas com um colector de águas e lançando lá para dentro um tubo de borracha negro, como quem está à procura de remendar o pneu de uma bicicleta. Compreendi que o corte do abastecimento não tinha afinal a ver com o meu esquecimento, a água faltava na minha casa, mas também nas casas ao lado. E que bela merda, para começar a manhã de uma sexta-feira!

Abri o frigorífico onde costumo guardar umas garrafas de água, enterrei a cabeça dentro do ambiente frio e seco, e deparei-me com o vazio. Não encontrei as garrafas que esperava ver por ali, sobrava apenas uma de água mineral, ainda para mais daquelas gaseificadas e com um sabor qualquer. Ao longo desta última semana poucas vezes aquela porta terá sido aberta. Não tenho feito comida, quase sempre tenho tomado as refeições fora de casa, e quando isso não acontece mando vir algo de fora.

Deitei um segundo olhar para o interior do frigorífico, e senti vontade de lançar a água mineral para lavar os olhos. Impus aos olhos ressequidos o conforto da toalha molhada cor de alface e levei-a de encontro ao rosto onde recrudesciam pequenos minifúndios de barba rarefeita em gomos desavindos. Libertei-me do pijama e alonguei o corpo rígido até atingir a posição do palito ainda não quebrado, que perversamente representa o símbolo da não desejada ociosidade, mas paradoxalmente o da rijeza e determinação. Por fim, depois de composto o uniforme de trabalho, que hoje é apenas qualquer outra roupa que não a de descanso, fui-me ajeitando à cadeira e embuti as pernas oblongas no covil da mesa de trabalho, onde a princípio se deveria procurar um início.

Projecto Earth Water - gestão da água nos países em vias de desenvolvimento

19.3.09

Os pontapés na gramática

Andam por aí uns iluminados da tola, Cristianos Ronaldos do bom português a marcar livres enviesados com a língua de todos nós, paladinos do bem saber, que se arrogam no conhecimento que não têm para corrigir o que julgam estar errado, e que mais não são do que os arautos do ridículo e da inverdade pífia. É com a intenção de esclarecer alguns dos erros propagados por essa gente, e procurando contribuir para evitar a multiplicação da asneirada, que aqui deixo breves pistas para o esclarecimento de algumas das dúvidas e dos logros mais frequentes.

Devo dizer "lídres" ou "lide(é)res"?

O plural da palavra "líder" é "líde(é)res", e é assim que ela deve ser pronunciada. A sílaba tónica é a primeira, embora a segunda seja igualmente acentuada. Deve dizer-se "líde(é)res" e não "lídres", tal como não dizemos "cadávres", nem "repórtres".


Devo escrever "contracto" ou "contrato"?

Um acordo firmado entre duas ou mais entidades é um "contrato".

"Contracto" é apenas uma forma derivada de "contracção".


É correcto dizer que "Amanhã é segunda-feira", apesar de "amanhã" remeter para um tempo futuro e a forma verbal utilizada representar um tempo presente? Ou deverei optar única e exclusivamente pela expressão "amanhã será segunda-feira"?

Nada há de errado em dizer "amanhã é segunda-feira". O presente do indicativo não enuncia apenas o tempo presente, poderá em algumas circunstâncias designar também uma acção futura, atribuindo-lhe o cunho e a certeza de actualidade. A formulação "amanhã será segunda-feira" é igualmente correcta.


Devo dizer "Há muitos desempregados em Portugal. 50 por cento está sem trabalho" ou "Há muitos desempregados em Portugal. 50 por cento estão sem trabalho"?

A forma correcta é "50 por cento estão sem trabalho". O predicado "estão" responde ao sujeito "50 por cento" Quer isto dizer que, em cada cem pessoas, há cinquenta que "estão" sem trabalho.


Devo dizer "a maioria das pessoas estão sem trabalho" ou a "maioria das pessoas está sem trabalho"?

Deve dizer-se "A maioria das pessoas está sem trabalho". O sujeito da frase é "a maioria", singular, a forma verbal adequada é a terceira pessoa do singular "está".


Como devo escrever: "o marido faleceu há 15 anos" ou "o marido faleceu à 15 anos"?

A forma correcta é "o marido faleceu há 15 anos", o verbo haver surge aqui com a significação de "existir". Existem 15 anos que o marido faleceu.


É correcto dizer-se "o marido faleceu há 15 anos atrás"?

Não é incorrecto, mas redundante. Se faleceu "há 15 anos" nunca poderia ser "à frente". É a mesma coisa que dizer que "o carro desceu para baixo" ou que "o cão subiu para cima da cama". Basta dizer, "o carro desceu" ou "o cão subiu para a cama".


Deve dizer-se "armas de destruição maciça" ou "armas de destruição massiva"?


"Maciço" é um termo há séculos enraizado na língua portuguesa e que quer dizer "denso", "compacto", ou "em grande quantidade". Neste contexto, "Armas de destruição maciça" são aquelas capazes de causar danos em grande escala. A expressão "Massiva" é um modismo, um neologismo com origem no francês "massif" e no inglês "massive", até há muito pouco tempo não dicionarizada, e que em consequência do uso (incorrecto) foi sendo incorporada, com o mesmo sentido da expressão "maciça".

Ambas as formulações são correctas, sendo que o neologismo "massiva" sugere o significado de uma palavra que já existe com o mesmo sentido que se lhe deseja atribuir.

Optaria por "armas de destruição maciça". O sentido "armas de destruição massiva" pode também ser aceite, embora desnecessário.

Por algum motivo continuamos a optar por "comer de garfo e faca" e não por "comer de garfo e naifa".


Deve dizer-se "o primeiro-ministro português é o político melhor vestido em toda a Europa" ou "o primeiro-ministro português é o político mais bem vestido em toda a Europa?

A forma correcta é "o primeiro-ministro português é o político mais bem vestido em toda a Europa."

"Melhor" utiliza-se como superlativo de "bom". O superlativo de "bem" forma-se em "mais bem".


Deve dizer-se "O Bruno tinha morto a língua portuguesa" ou "O Bruno tinha matado a língua portuguesa"?

A forma correcta é "O Bruno tinha matado a língua portuguesa".

"Matar" é um dos vários verbos que comportam mais do que um particípio. No caso concreto de "matar", apresenta o particípio regular "morto" e o irregular "matado"

Regra geral, o particípio regular ("matado") utiliza-se com o verbo "ter". Os particípios irregulares ("morto) utilizam-se com os verbos "ser" ou "estar".

Ex. "Tinha matado" / "foi morto" / "está morto"

O mesmo acontece com outros verbos. Por exemplo, "aceitar": "O Bruno tinha aceitado o facto de ser burro" e "O Bruno foi [verbo ser] aceite naquele grupo como o bobo da corte".


É correcto dizer "ele interviu para dizer que estava contente"?

Erradíssimo. "Intervir" conjuga-se tal como o verbo "vir". Deve dizer-se "ele interveio". Deve dizer-se "se ele tivesse intervindo" e "se eu interviesse", etc..


Deve dizer-se "Haviam várias hipóteses" ou "Havia várias hipóteses"?

Deve dizer-se: "Havia várias hipóteses".


Se alguém disser, por exemplo, "As pessoas há-dem compreender a minha profunda inteligência", isso é o quê?

É estupidez, claro. Dizer "há-dem" é algo semelhante a idolatrar o Cláudio Ramos. Deve dizer-se sempre, "hão-de" ou "há-de". E não é "há-des", é "hás-de".


Deve dizer-se "Ela emagreceu trezentas gramas" ou "Ela emagreceu trezentos gramas?"

A forma correcta é "Ela emagreceu trezentos gramas". Grama é masculino, tal como quilograma, por exemplo. Um grama, dois gramas, três gramas.


Outro dos erros frequentes consiste na separação de sujeito e predicado através de vírgula. (ex. "O Bruno, prima pela escassez de recursos intelectuais"). Regra geral, sujeito e predicado não se separam por vírgula. Neste caso a frase deveria escrever-se:

"O Bruno prima pela escassez de recursos intelectuais."

18.3.09

Benfica vs Sporting

Este fim-de-semana joga-se no Estádio do Algarve a final da Taça da Liga, entre Benfica e Sporting. As duas equipas já praticamente não têm hipóteses de vencer o campeonato, e já foram afastadas de todas as outras competições. É então com toda a propriedade que os entendidos dizem que este é um jogo que vai salvar a época a um dos clubes. Eu diria que os dois vão tentar salvar a década.

Lost in translation















Aconteceu há uns anos, inscrevi-me numas aulas de japonês na Faculdade onde estava a fazer investigação, e frequentei-as durante poucos meses. Durante esse período de intenso romantismo, mais do que de algum estudo, consegui apenas aprender a dizer coisas como morango e copo de água e chuva e beijo e trovoada, o que, para ser honesto, de nada me serviu até aos dias de hoje, e para o caso de poderem ainda servir serão já conhecimentos inúteis porque simplesmente me esqueci do aprendizado.

17.3.09

Tibete e o Dalai Lama

Faz hoje 50 anos que o Dalai Lama foi obrigado a isolar-se em território da União Indiana, depois da invasão chinesa do território independente do Tibete. Tenzin Gyatso é o décimo-quarto Dalai Lama, líder do governo tibetano no exílio, o rosto da luta de um povo pela recuperação da independência e autodeterminação. É recebido de braços abertos por todos os líderes do mundo, oferecem-lhe pancadinhas nas costas e cantam loas pelo direito a existir do povo tibetano. Mas a grande verdade é que depois de cinco décadas a percorrer o mundo, o mundo permanece de braços cruzados perante o problema. Porque neste caso, como noutros, os interesses do mundo sobrepõem-se aos verdadeiros valores do humanismo. Quando a Secretária de Estado Norte-Americana viaja até à China e lembra com todas as letras que está ali para discutir business, e que os direitos humanos podem ficar para outra altura... Quando recordamos que há governos regionais europeus a investir em força em território chinês e a tornar-se dependentes da boa vontade do governo de Pequim... Quando notamos que grande parte do tecido produtivo chinês está a ser invadido por empresas estrangeiras... Acabamos por compreender que, nesta matéria, o cifrão vale sempre mais do que o respeito pelo indivíduo... E que não vale a pena chatear muito o grande dragão asiático, porque, pelo menos agora, e enquanto a crise não bater com força à porta da China, está tudo muito bem assim, e todos sairão a ganhar. Excepto, é claro, a grande maioria da população chinesa que permanece nas zonas interiores do país, que sobrevive na pobreza e assim deverá continuar. E excepto, também, aqueles de quem se fala, o povo tibetano.

A invenção do elástico e outras viagens

Há invenções que são autênticos ovos de colombo. O elástico terá sido uma delas. Hoje passam-nos pelas mãos, passam pelo cabelo das senhoras, pelas nossas peças de roupa até mais íntimas, estão em todo o lado e não lhes ligamos nenhuma. Um pouco como o Augusto Santos Silva, vistas bem as coisas. Dada a importância e o enraizamento deste objecto nas nossas actividades quotidianas, poderíamos supor que nos tivesse acompanhado desde o tempo do Dom Afonso Henriques (sobre quem Manuel Alegre terá dito não ser um democrata exemplar, para justificar a anuência à recepção ao democrata José Eduardo dos Santos). Mas não, o elástico é uma revelação recente. Começou a ser descoberta em 1820, andavam os portugueses em contendas entre liberais e absolutistas, andava o Brasil a ensaiar o "Grito do Ipiranga", e lá, por Inglaterra, onde o progresso se tecia ao ritmo da máquina a vapor (que por cá tardava), o senhor Thomas Hancock inventava o elástico. Não na forma que hoje nos é familiar, mas um predecessor do que alguns anos mais tarde viria a resultar na formalização e na comercialização da ideia. Foi o britânico Stephen Perry quem patenteou o invento, abriu a primeira fábrica, e ficou com o lucro da coisa. Num dia 17 de Março, como hoje, só que há 164 anos, em 1845.

(Não confundir Stephen Perry, inventor do elástico, com Steve Perry - 'Esteves Pereira' - mítico vocalista dos não menos míticos Journey, de ascendência picoense, que fez furor internacional em finais da década de 70 e inícios de 80. Eles, os Journey, ainda por aí andam lançando cartas, desde há pouco tempo com uma nova voz, de um tipo filipino, que apresenta um timbre bastante semelhante ao de Steve Perry. E viva a globalização!)

16.3.09

Portugal: entre a euforia e a depressão





















Com base em algumas concepções, é entendido que a ideia de nação assenta na construção de significados partilhados, interpretados de forma semelhante por um conjunto de indivíduos pertencentes a uma mesma comunidade, delimitada por fronteiras de tipo geográfico, mas também cultural, social, simbólico: a nação.

A apreensão destes significados não é fixa, depende de uma construção social, de convenções e de diferentes contextos sociais; mas só esta estrutura de convicções partilhadas pode explicar o sentido de comunhão e de pertença em volta de um país.

É possível encontrar manifestações da dimensão de nação, usualmente representadas em significantes que incorporam a ideia de nacionalismo, e que ajudam a desvendar uma interpretação de pertença identitária. Tais elementos de significação, conducentes a uma construção simbólica desse modelo, revelam-se em marcas de tipo sintáctico, mas também de cariz simbólico, estes últimos incorporando a alusão a “objectos” que remetem para o ideal de nação, como a bandeira, o hino, o mapa do território, as cores associadas e outros referentes.

A nação é, assim, um empreendimento que resulta de um processo de construção e imaginação de uma comunidade. O processo merece ser valorizado, porquanto esta compreensão do nacional como um conceito de índole subjectiva e quase romanesca potencia a detecção mais inteligível dos mecanismos de construção da identidade a que reportam alguns discursos. Esta edificação do conceito de identidade nacional é produzida com apelo a um imaginário colectivo, o imaginário da nação.

Permite-se assim, de certo modo, compreender os mecanismos utilizados, quer pelos actores sociais, quer pelos media, nesta demanda pelo ideal nacionalista: não se oferece às pessoas a promessa de uma vida melhor, de um melhor emprego, ou de uma melhor saúde. Dá-se-lhes a ideia de que a sua nação é melhor do que as outras, de que a sua comunidade é mais capaz do que as outras, de que a sua força colectiva consegue sobrepor-se à de outras forças colectivas.



Mas a construção da identidade nacional processa-se também pelo discurso da negação. O discurso da construção da identidade nacional afigura-se como o discurso das vitórias e dos sucessos, mas também das derrotas e dos fracassos. Esta espécie de “nacionalismo negativo" apoia-se na exaltação contundente de valores negativos, e processa-se sobretudo nas alturas em que sobrevêm os insucessos. É um discurso que se posiciona em antagonismo à exaltação positiva dos valores nacionais, destacando as carências, promovendo a omissão das virtudes, do mesmo modo que o “nacionalismo positivo” elege as qualidades e omite os defeitos. Ambos, embora com acepções distintas, contribuem para a construção do ideal de nação.

O sociólogo Boaventura de Sousa Santos aludia a um esforço de recentramento da nação portuguesa, consequência do nosso estigma de periferia histórica. A identidade portuguesa é definida com uma cultura de fronteira, assente no cruzamento de traços culturais e na abertura a fenómenos de influência externa. Caracteriza-se a identidade portuguesa como um fenómeno deficitário, por diferenciação e homogeneidade.

A identidade cultural nossa é dominada por uma forma de fronteira, uma zona híbrida, onde é possível reformular constantemente as pertenças e as identidades. Portugal assume assim uma representação de fronteira pendular entre o estigma da periferia e as “imaginações do centro”.

Pode entender-se este conceito de cultura de fronteira como uma das causas da tendência para a ciclotimia que caracteriza o ser português, e que acaba por se repercutir também no modo como são encaradas as vitórias e as derrotas. Talvez por isso seja possível compreender porque passamos tão depressa da euforia ao desprazer.

(Fotografia à bandeira tirada no edifício dos Paços do Concelho em Lisboa)

José Megre

Só ontem à noite soube que José Megre tinha morrido. Estava doente há algum tempo e a enfermidade foi mais forte do que ele. Por uma vez não conseguiu sobrepor-se à duna maior que lhe apareceu pela frente. O meu pai conhecera-o, disse-me um dia, nos tempos de juventude, no quartel de Mafra, mas isso não é relevante. O que me impressiona é que a morte de Megre aconteceu há já três semanas, e, ou terei por aqueles dias andado bastante distraído, ou fico com a ideia de que pouco se falou do desaparecimento deste homem que tão longe conduziu o nome de Portugal. Não o conhecia pessoalmente, mas sempre admirei a postura dele. Tinha capacidade de iniciativa. Sabia como ultrapassar um obstáculo. Sintetizava bem algum do nosso espírito de descobridores e aventureiros.

14.3.09

Escapada pela Sierra Brava




















Há instantes que compensam todos os quilómetros que haja para fazer. Amanhã prossegue a jornada, assim haja pernas...

SEO - Embalse da Sierra Brava


Ver mapa maior

13.3.09

Burlas na net triplicaram

É o título de uma noticia do Expresso deste sábado. A Polícia Judiciária admite que o número de burlas na internet está a aumentar, e as fraudes já não acontecem apenas na venda de automóveis usados através de sites ou leilões a partir de fora do país (feitas muitas vezes por portugueses sobre outros portugueses), nem nos prémios chorudos que são prometidos em lotarias da Nigéria ou no próprio El Gordo espanhol. Parafraseando o que se lê naquele sinal que surge a cada vez antes de atravessar uma linha férrea: pare, escute, olhe...

Sócrates e o voo fantasma da TAP

Porque o gabinete de José Sócrates não quis fretar um avião para a viagem oficial do primeiro-ministro a Cabo Verde, a TAP não hesitou em criar um voo "comercial" fantasma que permitisse à comitiva governamental chegar à Cidade da Praia sem ter de abrir tanto os cordões à bolsa. O caricato é que, neste voo denominado de "comercial", passageiros que não figurassem na comitiva do PM ficariam em terra. O voo era "comercial", mas só para José Sócrates e para os 129 que foram com ele a Cabo Verde.

A notícia está no Expresso e revela um pouco como se foge com o rabo à seringa, quando a seringa ameaça picar com força.

Partido Pirata

O Partido Pirata quer eleger um eurodeputado já no próximo escrutínio para o Parlamento Europeu.

O movimento nasceu há três anos na Suécia (que não pára de nos surpreender), e entretanto já se expandiu a vários outros países. Defendem a reforma do copyright, a abolição do sistema de patentes, e o respeito pelo direito à privacidade. Em terra de cegos quem tem olho é rei, e mesmo com pala num deles, não hão-de faltar piratas com vontade de reinar. Sítio oficial do Piratpartiet, em sueco ou inglês.

Depois de Foder na Suécia, as Construções Margalho
















Uma das curiosidades da minha mais recente visita ao país vizinho, há umas semanas.

12.3.09

Eu sei como é Foder na Suécia

A Cris recordou-me uma cidade que provavelmente sempre que tenta candidatar-se a fundos da União Europeia vê as propostas reprovadas em peso pelos deputados portugueses.

Em 1997, numa viagem entre Malmö e Estocolmo, fiquei a saber como é Foder na Suécia.

Quando o comboio se imobilizou na estação e desviei os meus olhos para o que se passava do lado de fora da janela, estava longe de imaginar que algum dia escreveria sobre isso na blogosfera. Ao primeiro olhar, não quis acreditar. Ao segundo, também não. E ao terceiro, já estava com o dedo no gatilho a tentar registar o instantâneo.

Mergulhei nos arquivos de fotos em papel que tenho cá por casa, a tempo de resgatar algumas dessa viagem, e confirmei as duas suspeitas: a de que tinha tirado uma fotografia à passagem por lá, e a de que não tinha ficado grande espingarda.

A máquina que me acompanhou naquela viagem não dispunha das comodidades que as mais modernas apresentam; sem focagem automática, sem a possibilidade de mexer numa série de parâmetros, funcionamento totalmente mecânico, como se queria então. E este foi o resultado de uma fotografia esforçada na estação de comboios de Foder, até porque cada rolo tinha apenas 24 ou 36 fotografias e havia que poupar nos disparos:















(Como não disponho de um scanner, o que fiz foi fotografar a fotografia, por isso fica a ideia de que os objectos poderão estar ligeiramente inclinados.)


É difícil perceber o que está escrito naquela pequena placa, mas se aproximarmos um pouco o olhar verificamos que esta é uma terra que só é possível amar:















(Se clicarem nas fotos poderão vê-las em maior detalhe.)

Pois, se há de que me posso orgulhar é de saber como é Foder na Suécia.

Além de o conhecermos por ser o país do IKEA, a Suécia é um país também reconhecido por estar na vanguarda de tudo quanto são modificações sociais em prol do indivíduo: é onde as mulheres já concorrem de igual para igual com os homens em cargos de decisão, é onde o sistema de segurança social funciona, é o país onde Foder combina bem com a toponímia local.

Portanto, a próxima vez que alguém lhe disser "vai para a tua terra", o melhor mesmo é não ficar ofendido por isso, poderia ser bem pior se tivesse nascido em Foder e estivessem sempre a mandá-lo para lá. Talvez por isso se diga que os habitantes desta localidade são e serão sempre os fodidos.

E já sei como é Foder? E vocês? Ah, e sim, acreditem, é verdade aquilo que escreve no título.

11.3.09

A importância do silêncio num blogue

Há poucas coisas capazes de afastar de uma forma tão eficaz um leitor neófito de um blogue onde aterrou pela primeira vez, do que desde logo ser chacinado por uma música dos Scorpions. Foi o que me sucedeu, e confesso que tive dificuldade em ler o que quer que fosse. Vejam lá isso.

Livros do dia



Enid Blyton

10.3.09

Tirem lá a vírgula!

O Procurador Geral da República não poupou nas críticas pelo mau uso da língua, numa audição esta tarde no Parlamento sobre a nova lei que regula a protecção às vítimas de violência doméstica. O PGR diz que é uma lei confusa e mal redigida, e deixou alguns conselhos de bom português aos senhores deputados, àqueles que se entretiveram a mal escrevinhar o texto da lei e aos que a leram e assobiaram para o lado. (som RTP)



"tirem lá a vírgula entre o sujeito e predicado, senão qualquer professor primário se zanga com isto"

O grande problema é que os professores primários e todos os outros estão-se a marimbar se o aluno espeta ou não a vírgula de forma correcta, ou se desdenha o uso da acentuação gráfica quando é necessária. Estão-se nas tintas se os alunos escrevem com erros ortográficos ou não. É-lhes indiferente se quem é ensinado incorre continuamente no alegre pontapé na gramática. Porque a mediocridade se instalou no tratamento da língua e toda a gente (até professores) acha normal que assim seja. O resultado são alunos que quando chegam à idade adulta se tornam profissionais com responsabilidades no bom tratamento da língua, mas que desconhecem as regras básicas para um fiel tratamento do português.

Separar sujeito e predicado através do uso da vírgula é como separar dois gémeos à nascença e entregar um para adopção. É daquelas coisas que não se faz, a não ser que não se perceba mesmo nada do assunto. É algo que deveria ser ensinado como quem ensina que dois mais dois são quatro.

Se professores e classe política não se estivessem nas tintas, certamente outro galo cantaria. É que há coisas que são básicas, meus senhores. Por isso, façam-nos o sacrossanto favor, tirem lá a vírgula!

9.3.09

Autor e Narrador: ambiguidades e desafios

"O que queremos é uma história que comece com um terramoto e que vá a pouco e pouco para o clímax"

SAMUEL GOLDWYN (1879-1974)

Para começar, penso eu, o que precisamos aqui é de um narrador, um bom narrador. Um narrador que faça aquilo de que eu não sou capaz, narrar, mexericar, daqueles narradores totalmente libertos de conotações perigosas, de suspiros corporativistas, e totalmente perversos, revolucionários mesmo. Com a ideia de saberem tudo sobre todos, quando afinal pouco mais sabem do que uma realidade limitada pelo início da história que contam e o seu epílogo, circunscrita pelo conhecimento que o autor lhes confere, e que assenta numa intimidade falsa entre ambos, em que o autor dispõe e manipula e oculta, e o narrador ingenuamente confia.

O Autor, um homem de estatura elevada, na casa dos cinquenta, ia batendo afadigadamente um texto na sua máquina Remington. A ela se referia com o orgulho de quem balouça um filho nos braços, e dando a entender que não era apenas uma máquina de escrever, ou unicamente o intermediário entre ele e os seus leitores, mas que auferia o estatuto de personagem, passível de se enredar em conflitos, como qualquer herói, mandante, ou adversário. Apresentava-a sob o título de Remington, não se entendendo ao certo se tal designava uma criatura do sexo masculino ou do sexo feminino.

O Autor escrevia sobre um autor acometido de um bloqueio criativo praticamente crónico. procurando confundir o leitor em manobras de estilo autobiográfico, servindo-se repartidamente da sua voz e da voz emprestada de um narrador, independente, inequívoco, omnisciente, sintético, e que por estranho acaso é a voz que agora se vos dirige.

O Autor não sabia sobre o que havia de escrever. Afogava-se no seu estilo demasiado analítico e mal conseguido, enfadonho para a maioria dos leitores, circulando em torno de uma só ideia que assentava nisto: a sua incapacidade para encontrar ideias e a suposta justificação para esse falhanço. E isso ia-se revelando tão frouxo que as justificações encalhavam num discurso redondo, mal preparado, esculpido sob um manto de palavras de ângulos fechados ou de frases com demasiados vértices.

Este autor, pouco digno desse nome, não só por se duvidar que fosse capaz de dar corpo à obra, mas também por demonstrar uma inquietante falta de autoridade sobre o texto, acordou no primeiro dia de primavera e deparou-se com uma vontade imensa de escrever. Mas escrever sobre o quê? Ou sobre quem? Não tinha uma ideia. Era preciso assumir um plano de operações. Era preciso encontrar um narrador. Um narrador que tudo soubesse, que fosse determinado e forte, e que ousasse entender a posição de onde estava a partir, aonde desejava chegar, e qual o percurso a seguir até lá.

O Narrador começou a falar. Narrou três ou quatro parágrafos em que nada se acrescentava ao já conhecido. Alguns ter-se-ão perguntado: se o Narrador nada acrescentou ao que tinha já sido dito, para que precisamos dele, porque nos é negado o contacto mais próximo com o verdadeiro autor, as suas indagações, conflitos interiores, descrenças? Por isso mesmo, porque o Autor entendeu que o Narrador iria defendê-lo das incongruências do discurso e, caso tudo redundasse em fracasso, sempre poderiam ser atribuídas as culpas à ineficiência do narrador, justificando o logro com a sua educação básica, meio social onde cresceu, a sua condição e preceitos sociais de que se norteava. Sabendo toda a gente que o autor assume sempre um conhecimento infinitamente superior ao de qualquer personagem, narrador, ou leitor, o Narrador não se opôs a qualquer dos pensamentos do Autor e entendeu que a delegação do encargo foi até uma medida muito inteligente. Na verdade, outra opinião não se esperaria de um mero subordinado. O Narrador cumpriu. Marcou a sua posição, o seu estilo, a sua forma de estar. E continuou.

As vantagens de dormir menos

O grande dos desafios para o novo milénio passa por dormir cada vez menos, aproveitar cada vez melhor o tempo. Se em vez de 8 ou 7 horas, passarmos a dormir 5 ou 6, existe a possibilidade de chegarmos ao fim dos nossos dias com a sensação de que esbanjámos muito menos tempo a dormir do que a maioria das pessoas. A não ser que a nossa vida acordado seja tão triste, que compense permanecer mais horas entregue nos braços de Morfeu.

Se por cada dia pouparmos 1 a 2 horas (vá, 1 hora e trinta minutos a menos de sono), ao fim de uma semana conseguiremos acumular a módica soma de mais 10 horas e meia, acordados e a fazer coisas interessantíssimas.

E se agora multiplicarmos isto por 52 semanas num ano... imaginem... ficaremos acordados mais 22 dias (praticamente um mês útil). E agora imaginem, isto multiplicado por 25 anitos, a vossa vida entre os 25 e os 50... são mais 570 dias acordado. Mais de ano e meio...

Conclusão: dormir menos 1 a 2 horas por dia... significa que, em 25 anos, ganhamos um anito e meio em que podemos fazer o que quisermos. E não me venham com histórias. Para quê dormir 9 horas por dia se com muito menos chegar aos cinquenta anos com muito mais experiência de vida e com menos ramela no canto dos olhos?

Al Gharb















É nesta altura do ano que gosto de rumar ao sul. Outras viagens têm ocupado a cabeça deste escriba, e por isso as escapadinhas andavam há muito a 'escapar' ao roteiro algarvio. Mas desta vez, a pretexto de nada mais do que um fim-de-semana sorridente, partimos com a ideia de paragem em Olhão, para um arroz de marisco e uma caminhada retemperadora pela Ria Formosa. E para tudo o mais que a luz do sol inspirasse.

Quantos milhões de portugueses já invadiram o Algarve, e quantos tomaram a iniciativa de conhecer mais do que umas centenas de metros de areia e algumas ruas apinhadas de barrigas proeminentes ou do som de sinfonias de havaianas a chinelar?

Conheço a ria desde há nove anos e desde então regressei diversas vezes. A Ria Formosa ocupa uma vasta área entre Faro e Vila Real de Santo António. E é uma ria tão formosa, tão formosa, que tem até um aeroporto internacional. E para além das aves de diversas regiões do mundo que vêm "passar férias" à Ria, há também outro tipo de aves, mais pesadas e ruidosas, que trazem no seu ventre outra espécie de aves, raras, que migram com a intenção de banhar ao sol e passar uma época de relax por terras algarvias. Devido à sua idade avançada, a maioria destas aves passou há muito a fase indicada para acasalamento, agora procuram apenas sol.

A Ria Formosa vai-se mantendo preservada e vai resistindo a muito custo à pressão urbanística, mas sabe-se lá por quanto mais tempo. Um pescador de ocasião dizia-me que existem cada vez mais interesses a movimentarem-se para aproveitar esta onda. E falou-me de alguns nomes.

Olhando para o que já está feito, e para o que se vai fazendo, não é difícil perceber que não se aprendeu com os erros e que a tendência deverá ser para construir ainda mais.

Enquanto houver espaço para um pouco de liberdade, eu por lá irei... escapando.

7.3.09

Orgasmos para todos os gostos











  1. 25 por cento das mulheres atingem o orgasmo durante uma relação sexual.
  2. 86 por cento dos homens assumem que se realizam melhor sexualmente na companhia de uma mulher intelectualmente inferior.
  3. As mulheres que se envolvem com homens mais inteligentes atingem mais facilmente o orgasmo.
  4. É mais difícil alcançar o orgasmo quando se tem os pés frios.
Vários estudos e investigações sobre o orgasmo; quem quiser saber mais sobre esta maravilha da natureza pode consultar este interessante artigo que surge hoje no diário espanhol El País.

Magalhanês










Abrir um daqueles portáteis de baixo custo que se entregam às crianças nas nossas escolas pode revelar-nos grandes surpresas: a reportagem de Filipe Santos Costa no Expresso revela toda uma nova série de vocábulos e construções ortográficas, sintácticas, gramaticais, que podem encontrar-se num dos programas educativos instalados no Magalhães.
"Há palavras repetidamente mal escritas, outras inventadas, verbos mal conjugados, vírgulas semeadas onde calha, acentos que aparecem onde não devem e não estão onde deviam."

Não é para admirar. A tradução do tal programa foi feita por um emigrante com a 4ª Classe, ou seja, praticamente as mesmas habilitações dos potenciais utilizadores do Magalhães. Claro, isto interessa apenas àqueles que se preocupam com a língua; para quem não tem preocupações a esse nível acaba por ser indiferente.

"Quando acabas-te" de ler isto, podes seguir para a notícia e ficar a saber mais. Se não quiseres fazer isso agora, podes "continuar-lo" mais tarde:

A reportagem do Expresso.

Pessoas que mentem com livros













Li esta notícia ontem no jornal Público, e achei curioso, porque muitas vezes quando ouço alguns políticos ou outras figuras públicas dizer que leram fulano ou cicrano de tal, e exultar pela importância de determinada obra para o progresso da Humanidade, fico sempre com a pulga atrás da orelha e a vontade de questionar e tentar perceber até que ponto eles leram mesmo aquelas obras, ou se estarão apenas a dizê-lo para se armar perante o cuco mediático.

Foi o caso, por cá, do ex-candidato à presidência do PSD, Pedro Passos Coelho, que disse em entrevista a uma revista, há umas semanas, ter lido A Fenomenologia do Ser, de Jean-Paul Sartre, um livro que... não existe.

Em Inglaterra, o World Book Day patrocinou um inquérito para saber até que ponto as pessoas mentem quando dizem que leram determinada obra. Os resultados são surpreendentes... ou não.

Dois terços reconheceram já ter mentido.

1984, de George Orwell é o livro com que os intrujas mais procuram dar a banhada, 42 por cento confessaram que nunca puseram os olhos em tal livro, mas já disseram tê-lo lido.

Depois surge o clássico Guerra e Paz, de Leon Tolstoi, 31 por cento.

E, finalmente, outro clássico, da literatura irlandesa, Ulisses, de James Joyce. 25 por cento disseram ter lido esta obra, sem na verdade lhe terem posto a vista em cima.

Há uns dias, um indivíduo, conhecido por incorrer com frequência na intrujice bloguística, escrevia naquele seu já conhecido tom carroceiro, que James Joyce era um escritor que lhe enchia as medidas. Desconheço se esta resposta terá já entrado na estatística.

Da minha parte, confesso ter cumprido a leitura apenas do primeiro livro desta lista. E o mais próximo que estive de Ulisses foi através do clássico A Odisseia de Homero, poema que "li" através da Breve Adaptação da Odisseia do mítico João de Barros da juventude de muita gente.

Mas hoje, os Ulisses são outros, e as Penélopes, diga-se de passagem, são bem mais interessantes e não há pretendente que se deixe abater.

5.3.09

O que foi inventado primeiro: Portugal ou os portugueses?

É sabida a capacidade do bom português para inventar tudo o que há de mais inútil. Não está no Livro do Génesis, mas sabemos que quando Deus preparou a espécie humana chamou um português para que se entretivesse a inventar qualquer coisa inútil. E o português depois de muito pensar inventou a mulher. O que sucedeu foi que Deus solicitou ao pobre português a invenção de um objecto perfeitamente inútil com o qual o homem se pudesse divertir à noite depois de chegar a casa exausto de um dia de caçadas. E aquele português, afectado nesse domingo pela derrota humilhante do seu Benfica no campo do Grutas de Lascaux, em jogo a contar para a Liga dos Campeões Pré-históricos (os espanhóis do Grutas de Altamira foram à final nesse ano), não esteve com meias medidas, olhou para a panela de pressão, para a embalagem do Cif, e disse: “não faz muito o meu género, mas hoje é que vou ter mesmo de inventar a mulher!”

Claro, estou a brincar. Na verdade, quem inventou a mulher foi um espanhol.

A Humanidade, essa ingrata, deve muito a Portugal no campo das invenções. Por exemplo, o prefixo ‘pré’ deve-se a Portugal. Sem ele, hoje viveríamos já no período da História, uma humilhação para um povo milenar e bastante antigo como o nosso. Assim, continuamos e continuaremos na pré-história, que é o nosso lugar. Outra, quiçá a principal invenção até hoje, fica também a dever-se ao prestimoso povo português: o fogo. Para sermos honestos e não adulterarmos a precisão histórica, há que dizer que a invenção do fogo se deve em partes iguais a um português e a uma sueca.

O português acoitava-se em cima daquele lombo sueco à procura de inventar o orgasmo. Enquanto não conseguia chegar a essa maravilhosa descoberta, o português entretinha-se a inventar palavrões uns atrás dos outros. Mais palavrão, menos palavrão, e já depois de ter conseguido inventar o imprevisível ponto g (embora esta invenção pré-histórica ainda hoje esteja por provar), o português exultou, convencido de que finalmente, à 3691ª tentativa, teria conseguido inventar o orgasmo feminino. Na verdade, tratava-se sim da invenção escandinava da simulação do orgasmo feminino. Mais uns palavrões e mais umas metáforas sexuais do imaginativo português, e uma das mais bem conseguidas invenções portuguesas acabava de acontecer: “Ó filho, acabaste de inventar a falta de virilidade”; ao que o português de imediato ripostou, tratando de inventar a violência doméstica e calou a boca da sueca à força de duas bem mandadas arrochadas à portuguesa. Era uma época muito alvoroçada, esta das invenções.

De todas as invenções de que há memória, a do fogo foi aquela que até hoje mais incêndios vem provocando. É certo que o português e a sueca não conseguiram inventar o fogo nesse dia, mas o mesmo português, insistente, não desistiu, e no dia seguinte teve uma ideia. A ideia é também uma invenção portuguesa. A boa ideia.

Estavam então dois portugueses descansadinhos lá na pré-história, uma mão a afagar o bigode, outra coçando as partes podengas, quando um deles se lembra: “ouve lá, esta coisa das bolas foi das coisas mais bem inventadas logo a seguir ao bigode”; o outro responde: “pá, se inventámos os dedos, tínhamos de inventar alguma coisa para os entreter.” O vigor empregue nesse exercício de fricção era tanto, que escassos foram os minutos necessários para estar descoberto o melhor amigo do incendiário: o fogo. Enquanto o português com o baixo ventre em combustão bramia aos deuses pela sua masculinidade perdida, o outro português, esperto, associou de imediato: “espera lá, se isto dá com os tomates, também deve dar com a pedra de sílex!!!” Este português recebeu um prémio qualquer, de uma associação de bombeiros.

Para quem não se recorda dessa época, nós avivamos a memória e recordamos que naquela altura da idade da pedra, mesmo com a dita, o entretenimento escasseava. Havia duas ou três salas de cinema, embora sem filmes, porque nessa altura ainda o cinema não tinha sido inventado, e assim os portugueses passavam o dia de papo para o ar a tentar inventar o pipi que acompanhasse a Imperial que já tinham inventado. O ócio, essa invenção lusitana, contrapôs-se ao tédio, que foi tempos mais tarde inventado por uma espécie de portugas insubmissos que já tinham engendrado inventar a emigração. Só para serem do contra, estes portugas inventaram também o ser franciú e acharam que, já que tinham inventado o ser franciú, deviam inventar também o conceito de casas à la maison, que em tempo de regresso de férias contribuiriam para dar origem ao tédio.

O tão português ócio é porventura a mais importante invenção de todos os tempos. Não é necessária muita inteligência (conceito ainda não inventado) para entender o porquê. O ócio em excesso conduziu à invenção do um dos cunhos do portugalidade, a barriguinha, o chamado abdómen acabrunhado:
“mas ó português da pré-história, se nós já inventámos o pneu, temos de pedir a alguém que invente a roda”
“deixa estar, alguém se há-de encarregar disso.”

Nem todas as invenções dos portugueses eram espalhafatosas. Algumas eram mesmo bem subtis, dissimuladas, cínicas mesmo:
“Mmm, cheira-me que acabaste de inventar a bufa.”
Uma invenção que desde logo se revelou muito imperfeita.
“Isso pode ser aperfeiçoado; ouve-me só isto!”
E estava inventado o traque.

Às tantas começaram a escassear coisas para serem inventadas. A máquina de café estava inventada, o casamento também, o divórcio também, a troca de casais também.
“Ó tuga pré-histórico, então e agora o que é malta vai inventar?”
“Eh pá, e se inventássemos a chico-espertice?...”
“Está bem, vira para cá a bilha.”
“Mas espera lá, a bilha já foi inventada?”

(texto republicado)

4.3.09

Acabou-se a mama

Só me ocorre uma palavra... ok, várias:
Porca, badalhoca, brochista, vaca, puta, acabou-se os broches ó puta, agora estou aqui bou-lhe foder o corpo às duas horas, trago a arma desta vez dou-lhe um tiro nos cornos, ela deitou-se debaixo do meu marido, vadalhoca, porca, baca, vrochista...

O vídeo começa com a pergunta mais inteligente de sempre, da jornalista da TVI: "vai contar a verdade, ou vai mentir?" e acaba à estalada e ao insulto...

(É Portugal no seu melhor
, com a cortesia do Correio da Manhã:)

A frasear é que a gente se entende

Os spin doctors socialistas andam por estes dias em alta. É ouvir os dirigentes do PS disparar frases de bolso como quem come tremoço...

Ontem foi José Sócrates:

"O combate à burocracia é como uma roda quadrada, quando deixamos de empurrar empaca..."

Hoje, Augusto Santos Silva, citando um clássico qualquer que não conheço de lado nenhum.

"Quem ama na liberdade, outra coisa que não a liberdade, nasceu para a servidão."

Mas uma das frases mais técnicas do inglês mais tuga de Portugal é mesmo aquela um certo dia pronunciada pelo primeiro ministro português:

"Quem teme as tempestades, acaba a rastejar."

Touché!

3.3.09

O meu colega Paulo Sousa










Hoje está em Inglaterra e é treinador do Queens Park Rangers (QPR), da liga secundária inglesa. Na altura era apenas um anónimo jogador das camadas jovens do Sport Lisboa e Benfica. De permeio, jogou em clubes como Sporting, Juventus, Borussia Dortmund, Inter, Parma, Panathinaikos, Espanyol.

Levantou por duas vezes o mais alto título europeu de clubes; e é dos poucos a ter conseguido vencer a Liga dos Campeões em dois anos consecutivos por clubes diferentes.

Foi meu colega na Escola Secundária de Carnide, hoje Escola Secundária de Vergílio Ferreira. Um jogador da formação do Benfica como muitos que se sentavam nos bancos daquela escola, um dos que se distinguiu de tantos outros que nunca chegaram ver o brilho da ribalta… Paulo Manuel, Garcia, Nelson… ou o Kenedy, a quem não alvitraram bom futuro, mas que provou os sabores da errância e chegou mesmo a andar por terras de França.

Quanto ao Paulo (o Sousa), não concluiu esse 9º ano, o lectivo ficou para ele pelo primeiro período. Depois, partiu para o estágio da selecção nacional para ser campeão do mundo de juniores. E só já voltámos a ouvir falar dele, a jogar à moda de interior direito, naquele primeiro encontro contra a Checoslováquia.

Continuei a acompanhar a carreira, cruzei-me com ele diversas vezes nas imediações do Estádio da Luz, e só muito mais tarde, há cerca de dois anos, as voltas da vida voltaram a pôr-nos no caminho um do outro. E por duas vezes em escassas semanas. E sempre manteve a boa disponibilidade e simpatia que o caracterizavam.

E já passaram 20 anos...

A mim parece-me ter sido ontem. E no entanto duas décadas passaram. Um pequeno lapso de tempo, como se cavássemos um buraco no tempo e de lá arrancássemos este pedacinho. São 20 anos, que para mim poderiam equivaler a 20 dias.

Como diria a canção, fomos os campeões, do mundo. Porque para além do mundo já nada existe a conquistar, porque fomos ao limite e o conquistámos para nós.

Acompanhei, pela televisão. Os miúdos à beira da piscina no hotel. E Saltillo tinha sido apenas três anos antes. O Rui Martins de bigode. O rosto e a voz que levaram os olhos e os ouvidos de Portugal até àquela Riade longínqua.

As coisas começaram a tornar-se mais sérias assim que ultrapassámos a primeira fase. E depois da Colômbia veio, nas meias-finais, o Brasil, a sensação do David contra o Golias, rostos colados à vitrina da loja de venda de electrodomésticos. Há um televisor que mostra. E há gente a ver.

Há um brasileiro que põe a bola nos pés de um português no coração da área (um colega meu comenta: “brasileiro ao serviço de Portugal”, em referência à profusão de brasileiros que na altura inundavam o futebol português), e GOLO!

E depois a final… Antes do jogo, Abel promete a Pele que vai marcar um golo como os dele. E cumpre. Portugal vence. Somos campeões do mundo.

Uma surpresa para muitos. Mas é preciso não esquecer que aqueles mesmos jovens já davam cartas na Europa do futebol, no ano anterior lograram bater-se contra uma selecção soviética, para a qual deixaram escapar o título europeu de juniores. Mas prometiam algo que nunca Portugal tinha visto: lutar no futebol ao mesmo nível de outras nações europeias. E assim o fizeram. Os frutos surgiram já tardiamente.

2.3.09

Nino "era um homem violento e morreu na violência"














As palavras são do antigo Presidente Mário Soares, sobre a morte de Nino Vieira às mãos de militares na Guiné Bissau. O estranho é que Nino Vieira tenha exercido praticamente três décadas de poder autocrático sobre um povo, conduzindo os destinos de um país em direcção à pobreza extrema, tornando-o num dos mais pobres estados do mundo, e alguém até hoje ouviu o Dr. Mário Soares dizer alguma vez que Nino Vieira era um líder violento ou autoritário? E alguém ouviu neste país alguma voz liderante apontar o dedo ao ditador africano? Até lhe demos asilo... Não me fodam!

SIC Notícias 0 - TVI24 1

Os três estarolas discutem as incidências do futebol.

A SIC Notícias, depois da saída de Fernando Seara, foi buscar Sílvio Cervan, o Benjamin Button da política portuguesa, que quanto mais tempo passa, mais cara de miúdo tem.

O painel da SIC Notícias: José Guilherme Aguiar, Sílvio Cervan, Dias Ferreira.

A TVI24 estreia o programa. Resgatou Fernando Seara à SIC Notícias e completa o lote com o enciclopedístico Pôncio Monteiro, e o cirúrgico Eduardo Barroso.

Rola a bola, e o cenário de personagens mais picarescas da TVI24 segue na frente. A SIC Notícias entra a perder. Quanto ao conteúdo argumentativo das discussões: só para quem tiver paciência para fazer essa análise.

E que cidade é esta?

Há uns meses aterrei na quilha de um navio e quando dei por mim tinha os pés numa terra distante, daquelas que surgem apenas em mapas escondidos, abençoadas pelos pregoeiros da mais infame desgraça. Tinha a essa data, e já depois de alguns dias e outros milhares de quilómetros de viagem, praticamente oitocentas fotografias tiradas e ainda muitos quilómetros por desbastar pelas terras do além...

Ali, no meio do nada (centenas de quilómetros sem nada em volta), encontrei uma loja discreta que vendia alguns (parcos) objectos de material fotográfico. Regateei o preço de um cartão, que me garantia mais uns dias de utilização da máquina sem preocupações, ainda assim muito mais do que teria gasto num outro lado qualquer.

Já em uso, estranhei no entanto não dispor de tantas fotografias como as que seria de esperar para um cartão com aquela capacidade.

Ao regressar a Lisboa, descobri que o cartão era usado: numa pasta secreta, havia três videos. Este é um deles. As imagens valem por si, e elas próprias se encarregam de desvendar algumas pistas.

O desafio que faço é tentar adivinhar que cidade é esta.

1.3.09

Sobre a avaliação de professores

Pode ser que ajude, em vez de andarem a fazer festas nas pilinhas uns dos outros, em negociações de não fornica nem sai de cima.

O título engana. O que se pretende é exaltar a qualidade.

http://myprofessorsucks.com/