20.3.09

Quando falta água em casa logo de manhã




















E lembrei-me subitamente dos papéis que arrecadara entre as páginas do livro que tinha acabado de ler no mês anterior. Corri até à cozinha, já suficientemente desperto por tão grande bestialidade, achando indesculpável um esquecimento daquela ordem, incomodado por me ter lembrado de pôr as facturas da água e da electricidade a servir de marcador de livros, não passo de um imbecil, pensei, não haveria nesta casa marcadores de livros?, nesta casa onde existem milhares de livros... Abri uma das torneiras da cozinha para confirmar a suspeita, e de lá soltou-se um espirro rouco de ar misturado com o líquido que ainda permanecia na canalização. Tinha-me esquecido de pagar a conta da água!

Colei os olhos à janela e dei com os funcionários dos serviços municipalizados lá fora em trabalho acelerado, às voltas com um colector de águas e lançando lá para dentro um tubo de borracha negro, como quem está à procura de remendar o pneu de uma bicicleta. Compreendi que o corte do abastecimento não tinha afinal a ver com o meu esquecimento, a água faltava na minha casa, mas também nas casas ao lado. E que bela merda, para começar a manhã de uma sexta-feira!

Abri o frigorífico onde costumo guardar umas garrafas de água, enterrei a cabeça dentro do ambiente frio e seco, e deparei-me com o vazio. Não encontrei as garrafas que esperava ver por ali, sobrava apenas uma de água mineral, ainda para mais daquelas gaseificadas e com um sabor qualquer. Ao longo desta última semana poucas vezes aquela porta terá sido aberta. Não tenho feito comida, quase sempre tenho tomado as refeições fora de casa, e quando isso não acontece mando vir algo de fora.

Deitei um segundo olhar para o interior do frigorífico, e senti vontade de lançar a água mineral para lavar os olhos. Impus aos olhos ressequidos o conforto da toalha molhada cor de alface e levei-a de encontro ao rosto onde recrudesciam pequenos minifúndios de barba rarefeita em gomos desavindos. Libertei-me do pijama e alonguei o corpo rígido até atingir a posição do palito ainda não quebrado, que perversamente representa o símbolo da não desejada ociosidade, mas paradoxalmente o da rijeza e determinação. Por fim, depois de composto o uniforme de trabalho, que hoje é apenas qualquer outra roupa que não a de descanso, fui-me ajeitando à cadeira e embuti as pernas oblongas no covil da mesa de trabalho, onde a princípio se deveria procurar um início.

Projecto Earth Water - gestão da água nos países em vias de desenvolvimento

2 comentários:

Anónimo disse...

Dormes de pijama?

Bah, já está calor...

Bruno disse...

Durmo de pijama enquanto o calor não aperta. Depois, à medida que a temperatura no termómetro vai subindo, a minha roupa vai descendo.