escrito a pensar em ti, numa cama de hospital há xx dias
Saltar de uma ponte não é conselho que se dê a uma pessoa. E talvez por isso não o tenha dado ainda a ninguém. Conseguias ver vida através dos olhos da morte. Nela vislumbravas um sentido de libertação que te atraía e que te não era oferecido por quem mais tu desejavas. Retorces-te de dores. O peso da dor empurra-te contra o muro. Sabes que não voltarás a ver a luz do dia, que a morte vingará e que não poderás culpar ninguém pela estupidez que te atraiu a jogares-te de um comboio em movimento. Não culparás quem cá fica, porque os que cá ficam permanecem impunes e a ti a voz te cala. A carruagem da vida traiu-te. O vagão dos sentimentos expeliu-te, não encontraste espaço para ti. Todas as pessoas te procuram agora, lês o bilhete em voz alta nesse teu estado de coma absurdo, uma nota que deixas aos que cá ficam. Será assim possível entender-se a crueldade?
Por vezes, para compreendermos a vida, é preciso compreendermos a morte. Mas quando compreendemos a morte, reparamos que já é tarde demais. Escrevi isto a pensar nas pessoas que decidem abandonar a vida porque esta os abandonou, porque não encontram outra solução. Se é ou não o caminho mais fácil, se é a saída que os frágeis escolhem, não sei, nem estou interessado em discutir. Sempre me intrigou e sempre constituíram para mim um dilema as razões que levam as pessoas a abeirarem-se dos precipícios da vida e a dar o passo fatal. Que raio de desespero incurável é este que leva as pessoas a simplesmente deixarem-se morrer? No íntimo, compreendo que quando há uma estrela no céu que chama alguém, esse alguém não pode ter alternativa. As estrelas guiam-nos, ordenam-nos, cumprimos. Quando não existe saída, costuma ser assim.
Só não compreendo como a nossa surdez, a nossa cegueira, a nossa indiferença contribui para empurrar estas pessoas para o precipício; como não somos capazes de escutar, como não somos capazes de ver, como não reparamos que por vezes os gritos mudos e cegos e surdos estão mesmo ao nosso lado. E como esticamos até ao limite o elástico da nossa crueza e crueldade, e não somos capazes de ver que estamos tão simplesmente a... matar alguém.
18.1.09
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2 comentários:
Bruno, desculpa a intromissão neste assunto delicado que é apenas teu e de alguém, mas não consegui "calar-me". Venho todos os dias saber se tens novidades e a verdade é que na maioria das vezes gosto de te ler.
Nem sabes como este tema me toca, tanto que a palavra suícidio quase me custa escrever. Convivi com esse drama e infelizmente ainda é um fantasma que me atormenta (basta dizer que ainda não tenho objectos cortantes em casa e que os medicamentos estão escondidos e fechados à chave). Ele tinha apenas 15 anos quanto tentou acabar com a vida pela primeira vez...as razões, essas, não escolhem idade. Sempre fui uma mãe amiga, companheira, adepta a 100% da partilha...mas estaria cega? Há coisas que não se conseguem evitar por mais que "arregalemos" os olhos...há quase sempre um motivo que nos escapa, que foge ao nosso controlo.
Olá, Ana GG, obrigado pelo teu texto, não é intromissão nenhuma.
É algo que tenho andando a tentar compreender. Infelizmente, todos conhecemos casos, mais ou menos próximos. E em todos eles, o mecanismo é semelhante. Alguém que não se sente bem consigo próprio, não por si, mas por aquilo que os outros o fazem crer que é, a maioria das vezes confrontado pela envolvente, hostil, indiferente, as coisas vão-se suportando, até que há um ponto em que se dá a implosão. Continuo a dizer que o estado de desespero é acentuado pela postura de quem está à volta. Ninguém gosta de sofrer. Somos animais feitos para reagir à adversidade, para responder, mas (in)felizmente temos a capacidade para compreender que temos na mão um poder que é só nosso.
E nós, quantas vezes olhamos para o lado, para a pessoa que está junto a nós e nos questionamos se aquela pessoa está bem, se estamos a agir bem com ela. Quantas vezes essas pessoas sofrem em silêncio como se tudo estivesse bem, e quantas vezes nos preocupamos simplesmente em "compreender" quem nos rodeia. Acho que raramente o fazermos. Muitas vezes, a tentativa de suicídio é apenas uma forma de pedir ajuda, de mostrar que é preciso agir, é preciso estar presente. É uma chamada de atenção. Outras vezes é mesmo a linha final.
Espero que essa questão pessoal esteja ultrapassada. Pelo sim, pelo não, vamos olhando para o lado. Como para atravessar uma linha férrea: paramos, escutamos e olhamos. Não basta ser, é preciso estar. E a vida é muito madrasta por vezes.
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