18.2.09

O mau costume da felicidade

Não o esconde, vai às putas, e é essa viagem à profundeza mais obscura dos sentimentos que o faz sentir-se realizado. Que moral temos para criticar quem arranja maneira de ser feliz?

Todos os dias me cruzo com ele, e quando acontece apanho-o sistematicamente a folhear a página dos classificados do Correio da Manhã, agarrado à coluna das senhoras que vendem préstimos em massagens ou outras alegorias corporais.

Uma troca de palavras, os olhos percorrem ainda atentos em sentido vertical a plêiade de eslavas, brasileiras e africanas lusófonas que se prestam a serviços diários, com mistura de carinho e atenção.

— Agora ando a visitar uma russa que é espectacular. Já tem cinquenta anos, mas é espectacular como uma miúda de 18 anos.

Ele não quer outra coisa.

Comento em tom jocoso que porventura o ideal seria que cada uma daquelas "massagistas" oferecesse uma primeira consulta gratuita, numa tentativa de fidelização da clientela: cliente satisfeito, voltaria garantidamente.

Responde-me que se isso se tornasse norma, seria só ver clientes a saltitar de primeira consulta em primeira consulta e o negócio morreria. Sou obrigado a concordar, mesmo quando tinha já na ponta da língua o argumento de que num mercado tão competitivo como o das profissionais com actividade de elevado interesse social, isenta de impostos, a concorrência obrigaria a uma descida de preços. Mas penso: que se lixe, a felicidade não tem preço.

Quase todos os dias me cruzo com ele. Sentado na mesma cadeira, a espreitar o infinito, e sempre me diz:

— Conheci uma russa, é espectacular!

4 comentários:

Anónimo disse...

Olá Bruno,

Bem... cada um com a sua pancada! Essa atitude poderá ter uma excelente explicação.
Porém, essa personagem, poderá descobrir que o seu comportamento tem raizes na sua adolescência! Poderá cair em si e descobir que não é sociável ou não tenha a capacidade de manter uma relação estável ou ainda ser curioso por seres de outras culturas ou ainda ser um mal amado e pague para que sinta conforto.

Eu poderia escrever uma análise do comportamento dessa personagem, mas poderia ser bastante dura, o que resolvi não o fazer.

Tens a capacidade de fazer pensar em algo que adoro - o comportamento humano.


Um abraço

Bruno disse...

Gosto particularmente desta história, deste texto, desta personagem, embora seja indiferente para os demais a partilha deste sentimento.

Esta é uma das tais personagens em volta das quais nascem histórias. Ele não as pede, ele fá-las acontecer.

Diria que este homem vive entre uma marabunda de gente, mas encerrado na sua solidão.

Pancadas, todos temos.

Anónimo disse...

Olá Bruno,

Ora aqui está a pedra filosofal - SOLIDÃO! Muitos não sabem o que é este estado - a solidão, empregam em sentido erróneo! Este sentimento é complexo e psicológico, pois que sofre deste mal vive sozinho, a parte da sociedade. Imaginemos que é o mesmo que uma reclusão do indivíduo, porque ao não de identificar na sociedade é extraído dela.

Assim, o mal da personagem, desse belíssimo texto, não será só solidão, é muito, muito mais que isso!
Ora vejamos... se quem vive na solidão "pratica" a reclusão, logo o mal da personagem tem outra vertente, caso contrário não procuraria a companhia de outras pessoas.

É por isso que este estado sentimental - a solidão - é complexa e psicológica.

Continua com os teus post, porque têm carisma

Um abraço

Bruno disse...

Olá, Anónimo, obrigado pelo teu comentário.
Eu diria que para muita gente a solidão é um mal que vem por bem. Há quem fuja da multidão e prefira seguir o caminho por si, sem ajudas ou perturbações.