Nunca consegui compreender muito bem os preceitos de uma amizade colorida, embora tenha tido várias. De uma forma resumida, podemos dizer que uma amizade destas acontece quando duas pessoas se encontram de livre vontade para desalmadamente trocarem lambidelas em todos os poros, viajarem sobre o fôlego alheio, encetarem uma permuta de toques mútuos como discípulos de Midas. Ou dedicarem-se simplesmente à fornicação crua, uma espécie de sushi sexual, mas com forte tendência para os sabores e a consistência de um naco de carne barrosã.
A cena colorida é tudo isto, é sexo do bom e lá pelo meio são beijinhos. Chamar-lhe-ia: o rendimento mínimo da distribuição dos afectos.
A Amizade e o Sexo
Tive várias amigas que talvez se encaixassem no tal conceito de "coloridas". Uma de cada vez, porque não conceberia esta modalidade com simultâneas, nem isto é xadrez e nem eu sou o Boris Spassky. Quantas vezes me meti no carro para me encontrar com a minha amiga colorida, para ser feliz com prazo marcado, como um iogurte, sem açúcares, só mesmo com a vontade e o prazer. Basta uma mensagem recebida no telemóvel para detectarmos um défice no saldo dos afectos. E lá vamos nós...
Neste tipo de relações, os assuntos costumam estar devidamente compartimentados. O sexo não se mistura com o resto, e o resto não se mistura com o sexo. Depois da fusão dos corpos, vem a conversa, a partilha de preocupações, a emancipação do desejo, um "como estás", um "hoje sinto-me problemática", um "estou cá para o que for preciso". Mas há uma pergunta que apesar de toda a intimidade nunca existiu: "e namorados(as)?"
E a grande vantagem neste género de relações bicéfalas, é que de facto a Amizade existe. Por alguma razão, talvez pela ausência de compromissos para além do respeito mútuo ("fodes comigo, não fodes com mais ninguém, e se quiseres foder com mais alguém, deixas de foder comigo"), as relações perduram, mesmo quando a cor se esbate, mesmo quando os tons pardos vão tomando conta das nossas vidas; terminam as aventuras cromáticas, permanece a amizade.
E quando o Amor acontece
Uma amizade colorida não restringe a busca pelo amor verdadeiro. E esse é talvez um dos principais desafios postos a uma amizade colorida. Ou se é demasiado impessoal, ao ponto de cada um poder evadir-se para a sua parte sem se esperar que dê cavaco à outra parte, ou é uma amizade verdadeira e então existe um respeito acrescido.
Mas, e quando lá longe o amor acontece, o verdadeiro amor? Como quebrar os elos de uma corrente forte como é a amizade colorida? Como lhe retirar a parte do "colorida" de modo a guardar a "amizade"? Quando tal me sucedeu, durante uns dias andei com um nó no estômago. Recebia mensagens coloridas com convites para cafés, para jantares, para ver o mar. Convites que recusava sem apresentar justificações plausíveis. Por um lado, a pessoa que amava e à qual pretendia ligar-me. Por outro, alguém que merecia todo o meu respeito, e a quem devia o mundo. Alguém que me nutriu de afectos durante o tempo da míngua alimentar...
Como dizer a alguém, "a amizade colorida vai ter de terminar, estou apaixonado?" Na prática (e isto posso dizê-lo também por experiência própria), uma amizade colorida interrompida é uma amizade colorida em stand-by. É que os amores vão-se. As amizades coloridas vêm-se. Nunca nos curamos de uma amizade colorida, somos e seremos sempre dependentes em recuperação, prontos a ter a próxima recaída.
13.2.09
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18 comentários:
É, é um caso complicado. Queremos guardar a amizade mas queremos muito mais sentirmo-nos amados por quem nós queremos.
"Nunca nos curamos de uma amizade colorida, somos e seremos sempre dependentes em recuperação, prontos a ter a próxima recaída."
Pois. E preferia não ter que concordar com isto...
Olá, Quase Tu, entre as duas, eu escolho o Amor. Mas apenas custa dar o primeiro passo, lateja em nós a vontade de manter a Amizade, porque quaisquer que sejam as matizes, o que conta é isso mesmo, a Amizade. Amizade e Amor podem e devem conviver.
Ipsis, obrigado pelo teu comentário.
Quando o Amor é forte, não há recaídas. Quando o Amor é fraco, é natural que comecemos a ver as coisas com corres mais garridas. A recaída só acontece quando há razões para isso (não as que vêm do lado da amizade, mas as que faltam do lado do amor).
Não troco um amor pelo devaneio de uma amizade colorida.
Olá Bruno,
Belo texto! As palavras são sentidas, profundas.
Pois... por vezes num piscar de olhos o que não era passa a ser e o amor acontece ser se dar por isso.
Mas a beleza do amor é digno de ser vivido e sentido de coração e alma.
Um abraço
Bem...tu hoje estás muito romântico!
Também se não fosse hoje, né?
Nunca me aconteceu. Honestamente, não concebo que me aconteça. Ou é ou não é. Quando quero, quero tudo. Por isso, ter alguém pela metade não me parece justo para ninguém. Mesmo que saiba temporariamente bem...
Bem, nem sei por onde começar...
Eu penso que uma amizade colorida será uma relação bem resolvida, cada um sabe exactamente qual a finalidade desta relação...que se quer temporária (ou não). Por este motivo não vejo qq "constrangimento" em acabar com uma relação deste tipo seja por que motivo for...ainda para mais se for por Amor.
A amizade, essa, a haver, continuará a existir sempre...e talvez até mais reforçada por ter havido tanta cumplicidade. Como disseste e bem, numa amizade colorida é suposto não haver Amor, logo, acho bastante compreensível que quando um dos dois O encontre que siga por onde tem de ir...
Há uma coisa que valorizo bastante em qualquer relação, o diálogo, quanto mais "abertos" formos para o outro, mais simples tudo se torna...
Quanto a recaídas...não acho que tenham lógiga numa relação em que não há Amor...
Para concluir, esta é apenas a minha visão, admito até que um pouco simplista, mas, racional da questão.
As amizades coloridas podem ser muito saudáveis e até hilariantes.
Não existe o compromisso, nem aquela sensação por vezes incómoda de “falta de ar”. Digamos que é uma troca justa que favorece ambas as partes nas fases em que o amor se encontra em off.
Quando um dos dois se apaixona, nem se equaciona a questão, parte-se de cabeça para a nova relação e não se deixam amargos de boca. Aí não temos a mínima necessidade, nem nos passa pela cabeça ligarmos ao amigo/a para falar de outras coisas que não sejam assuntos inerentes às amizades boas, mas descoloridas.
Estas “amizades” são como o Betadine, ficam sempre guardadas na gaveta dos remédios…nunca se sabe quando poderemos voltar a precisar delas.
P.S.1. Fiquei sentada à espera da tal ajuda que simpaticamente me ofereceste devido aos teus conhecimentos na área (para ler num tom muito irónico)…
P.S.2. Embora isso não te interesse para nada, muito sinceramente…gosto mais do rumo que tens dado ultimamente ao blogue.
Olá, Anónimo, estás bom?
O Amor é bastante colorido, mas de outra maneira. Podemos dizer que a Amizade Colorida é uma das tais pastilhas super-gorila de morango ácido, daquelas grandes, cor-de-rosa, masca-se mas não se engole e depois deita-se fora. Enquanto o Amor é mais do que isso, são caixas de Sugus que nunca mais acabam. E por vezes o Amor também suga, mas isso são outros quinhentos.
Olá, Cris, como é que estás?
Sou romântico todos os dias.
Muita gente pode achar que sou um calhau com olhos, mas no fundo até sou um coração derretido. E, para mim, o Amor só faz sentido com doses industriais de romantismo.
E sem datas marcadas.
Todos os dias são boas datas. Todos os dias são "a data".
Uma data de ralações, dirás tu. Eu direi que não concordo.
Olá, MF, como é que vão esses picos?
MF, concordo contigo: ou é, ou sopas!
Mas no caso da Amizade Colorida, as coisas estão bem definidas: não são.
Mais não é do que uma Amizade Colorida, do que sexo do bom e lá no meio são beijinhos.
Nem é ter alguém pela metade. É ter uma ou várias parcelas que nos interessam muito e que não temos de outra forma. Sem que esperem muito de nós, ou sem que tenhamos de oferecer um sentimento de que não dispomos.
Patrícia de Villar, bons olhos te vejam e bons olhos vejam os teus élles.
Uma relação colorida é algo bem resolvido, com intuitos definidos, é certo.
Mas, mesmo quando há um Amor que se sobrepõe, existem sempre resquícios de alguém que nos é próxima. E depois, em casos mais raros, mesmo existindo amor por alguém, e não existindo esse mesmo sentimento por outra pessoa, há sempre o "desejo", esse grande malvado que nos leva a fazer coisas com as quais nem sempre concordamos.
Ana GG, ora viva quem é uma flor!
Concordo com a tua análise, e parece-me interessante comparar uma relação colorida a Betadine. No fundo, é isso, um remédio. E como em qualquer medicamento, há sempre alguns com prazos mais alargados e que podem ficar mais tempo na gaveta, e outros que rapidamente ficam fora de prazo. E há também esse problema de não saber o que fazer com eles quando o prazo expira.
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Quanto ao rumo do blogue, é o mesmo de sempre, ou seja sem rumo, sem outro rumo que não o de ir escrevendo e reflectindo Por Tudo e Pornada...
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Sobre "aquele assunto", é verdade que fiquei de dizer e é também verdade que consultei as tais pessoas bem colocadas no meio.
O que me disseram (e era também uma ideia que eu tinha) é que esses cursos estão em geral inflaccionados para os conhecimentos que acabam por ser transmitidos. O que aconselhavam era a comprar material, começar a treinar em casa (chatear os vizinhos, a família, etc.) e estando atento ao que se vai fazendo nessa área. Talvez fosse um conselho a seguir. É que com o dinheiro que gastarias num bom curso poderias comprar algum material e começar a praticar. E tirar o curso e depois não ter onde praticar também não ajuda muito.
Olá Bruno,
Gostei da resposta que deste ao meu comentário. Fartei-me de rir! E ao que te referes do verdadeiro amor, pois é... o amor é lindo mas só com aquela pessoa que nos provoca um clic. Essa sim! Tudo se torna perfeito, mesmo os maus momentos, depois, rimo-nos deles. Aí reside a beleza do amor. Como sabes o amor é um misto de sentimentos.
Obrigado, é uma prazer ler os teus post e comentá-los. Apesar não te conhecer, nem tu a mim, já simpatizo contigo! Ahahahah
Um abraço
Olá, Anónimo!
O amor é como uma máquina fotográfica. Se não fizer clique é porque não funciona. (Resta depois saber se funciona com rolo ou se é digital, e se os parâmetros: exposição, abertura, velocidade, são os indicados para o que se pretende.)
E resta também saber se depois do clique sai uma foto a preto-e-branco ou algo mais colorido.
Olá Bruno,
Esta resposta (anónimo)foi mais engraçada! Ri-me que que fartei, a anologia que fazes a uma máquina fotográfica foi dos Deuses!
Acho que Vénus não deve ter achado graça, provavelmente caiu do trono, não como Salazar, mas como a fénix! Mas como não sou a Deusa Vénus adorei ler cada palavra.
Bravo! Tens sempre um bom argumento.
Um abraço
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