4.11.09

Não há coincidências

Os meus olhos viraram-se para uma das prateleiras cá de casa onde estão arrumados alguns livros – grandes, pequenos, altos, baixos, magros, gordos. Sem se fixarem em nenhum atributo em particular, viajaram pelas lombadas daqueles edifícios moribundos como dedos que escorregam felizes pelas oitavas de um teclado de piano.

Agarrei ao acaso no Até Onde Se Pode Ir?, do escritor britânico David Lodge, romance que nos transporta até à epopeia de um grupo de jovens durante a época da libertação sexual na Grã-Bretanha, acompanhando as dores de crescimento de uma geração atormentada por fantasmas do passado e assustada com os desafios de futuro. Abri o livro, folheei-o, e recuperei à memória a sensação da leitura original.

Na primeira página, uma anotação pessoal e a data da aquisição do livro: 3 de Novembro de 1998. Precisamente onze anos haviam passado. E ao folhear Até Onde Se Pode Ir?, também eu recuei àquele tempo, acossado pelos fantasmas do passado, e lá chegado, assombrado pelos desafios deste futuro que já se cumpriu.

Comprar um livro, concordem ou não, é um acto de paixão. A afecção conduz à ilusão do sentimento, que pode desfazer-se ou agudizar-se nas voltas do texto. Os livros acompanham-nos em silêncio, e embora muitas vezes possamos não ter sequer tempo para eles, ali permanecem sempre disponíveis, como frutos a pender da árvore, à espera para serem colhidos, digeridos. São, de facto, os nossos melhores amigos.

2 comentários:

heidy disse...

Concordo plenamente contigo! Eu também coloco as datas nos livros que vou adquirindo. E por vezes, gosto de pegar ao acaso num deles. Olho para esses dados... e recuo no tempo. Penso na razão que me levou a compra-lo... se gostei... o que me deixou... o que aprendi... o que me marcou. Um livro pode realmente ser um grande amigo. Um companheiro. :) Alguém que nos entende, sem precisarmos de dizer uma unica palavra. Um silêncio que é quebrado apenas pelo desvendar de cada linha.

Bruno disse...

Levam-nos a viajar sem que precisemos de sair do mesmo local, são fontes de partilha de conhecimentos quase inesgotáveis. Muitos dos meus livros têm uma data assinalada, muitos também estão ligados de uma forma carnal com momentos da minha vida, viagens, locais, paisagens, sons, cheiros. E outros, muitos também, foram-me passados por outras pessoas, todas essas referências acabam por ser importantes, para nos situar no tempo e no espaço.