Quando disse que esta campanha ia ser só rir, não estava a referir-me directamente ao programa dos Gato Fedorento, ao qual tão lestos e precisos todos os políticos portugueses estão a aderir. Parece que descobriram de um momento para o outro que uma certa ideia de descontracção também pode dar votos. Da maneira como está o país, o melhor é mesmo levar isto na
descontra.
Mas o programa dos Gato Fedorento ao lado do que têm sido os factos e argumentos de campanha é uma espécie de
Camilo, o Pendura em confronto com os
Monty Python, sendo que só o brilhantismo destes será capaz de concorrer com o
nonsense dos vários acontecimentos que têm minado os últimos dias de confronto eleitoral.
Escutas e casos
Coscuvilhar e intrigar a vida alheia sempre foram actividades muito portuguesas. E continuarão a ser, se
Deus quiser.
Não invoco aqui o nome de
Deus em vão. Ele é o Tal que é omnipresente e omnipotente. E como se verifica, há situações em que um contacto próximo com Ele dá um jeito enorme.
A campanha tem sido um fartote de rir. Desde os
"mais papistas que o papa" militares da GNR da Coina, que multaram e apreenderam viaturas da caravana socialista por falta de documentação em ordem, para dois dias depois um senhor da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, por acaso dependente do Ministério da Administração Interna, ter dado ordem para libertar as viaturas e devolver o valor da coima pago pela contra-ordenação. Dois dias depois. E ainda dizem mal deste Governo. Oxalá toda a Justiça fosse igualmente lesta.
O caso do telejornal silenciado, ou o das pressões aos juízes do caso Freeport, ou até a tentativa de incursão do SIS (sob a alçada do Governo) nas investigações sobre eventuais fugas de informação no mesmo caso Freeport.
E depois o caso dos dinheirinhos para os "novos militantes" do PSD a troco de um voto na eleição para a distrital de Lisboa. Uma notícia que caiu sabe-se lá de onde, a poucos dias das eleições. Um balão de ar que sucumbiu logo ao final da noite, quando foi destapada a primeira página do DN da manhã seguinte.
O caso promete brindar-nos durante muitos e bons dias com novos espasmos de risota, até porque quase tudo está por explicar: como foi possível correspondência trocada entre jornalistas do Público ter ido parar, no mesmo dia e sabe-se lá por alma de quem, a dois jornais concorrentes? Esta é apenas a última pergunta entre tantas que estão por responder.
Encomendar a alma ao diabo
A notícia do Diário de Notícias surpreende-me. Jornalistas (do DN) publicam correspondência privada, trocada entre outros dois jornalistas (do Público), sem qualquer sentido ético ou respeito pelo sigilo profissional dos seus colegas.
Não só os jornalistas do DN destapam uma fonte que deveria permanecer anónima, como publicam correspondência privada entre jornalistas profissionais que nem português correcto sabem escrever.
Mas sobretudo acusam o Público de publicar uma notícia encomendada (apenas porque uma fonte lhes faculta informação), expondo-se o próprio DN à possibilidade da mesma acusação, a de trazer a público uma notícia encomendada (afinal, também alguém lhes facultou informação, alguém que não sabemos quem foi.) Encomenda por encomenda, sempre prefiro a do Público.
Eles andam aí
E sempre andaram. E se no tempo do cavaquismo tudo era feito às claras e as suas movimentações eram facilmente identificadas, desencadeando consequências mais ou menos directas, agora actuam na penumbra e as consequências são invisíveis a e bem mais devastadoras. Aqui há tempos, a
Visão publicou um interessante artigo em que denunciava que José Sócrates pretendia criar uma
nova polícia secreta, "uma espécie de secreta privada do primeiro-ministro". Dizia-se até que já funcionaria no edifício do Conselho de Ministros.
O primeiro-ministro espigou-se, mas depressa o balão esvaziou e nunca mais se ouviu falar disto. (Parece que desde então a Visão se tem portado bem, e agora até já tem direito a receber a brochura publicitária da RAVE, aludindo às virtudes dos comboios de alta velocidade.)
Júlio Pereira é o homem que toca este cavaquinho. É um homem da confiança do primeiro-ministro, coordenador do SIRP, a entidade que engloba os serviços de informações, e que responde directa e exclusivamente a uma entidade, o primeiro-ministro. Há pouco mais de um ano, o seu nome chegou a ser falado para se ocupar do cargo de secretário-geral de Segurança Interna, mas à última hora o primeiro-ministro terá recuado e Júlio Pereira continua à frente das secretas. Vá-se lá perceber os motivos.