A Casa

Terça-feira noite noite: alguém irá ser expulso da Casa. Pulhas, o canalha de serviço? Tatá, a dançarina das mamas giratórias? Pitó, o cobardolas rastejante? Maria, a princesa do croché? Naco, o gordo seboso? Mafaldinha, a mais chata que o próprio milho? Juntos que nem minhocas guardadas num frasco, aguardam a decisão do Grande. Aguardam. Aguardam e aguardam. Aguardam e aguardam e aguardam. Chatice. Esquisito. O que é que se passa? A noite vai-se, e o Grande não se revela. Nem pó.

Dias passam e o Grande nunca mais se ouviu. A comida acabou. Mafaldinha tenta fugir da Casa, mas a porta está trancada, mais que trancada. Merda. O que se passa, porra? Isto não é normal!

A fome aperta. Alguém terá de servir de jantar, arrota Pulhas. Pitó esconde-se. Naco atira-se a Pulhas. Quer mordê-lo. Mas Pulhas, faca leve, faz de Naco carne pronta para o talho. As mulheres entram em histeria e querem fugir fugir. Murros na porta, atiram-se aos vidros com tudo o que seja duro. Mas nada. Pulhas leva Naco para a cozinha. Haverá jantar!

Dente a dente, todos acabam por comer do pródigo Naco. Pulhas, como mestre-cuca entendido. Tatá, com repugnância. Maria, afirmando que é porco, talvez carneiro. Mafaldinha, porque Naco poderá assim, enfim e tal, cumprir o seu sonho de ser útil, ao menos isso. Pitó, às escondidas, pois.

Naco está no fim. Tatá faz o seu número de dança mamas ao léu. Pulhas elogia, assim será última a ser cozinhada, ha! ha! ha! Maria, previdente, decide-se a acompanhá-la, mas sem abandonar o croché. E Mafaldinha também, porque é uma mulher solidária, pois então! E Pitó? Pitó tem um repente. Escudado numa almofada atira-se afoito a Pulhas, facalhão de cozinha em riste. Já temos jantar! - anuncia Pulhas ao fim de segundos poucos. Maria cessa o seu croché e desfaz-se em pranto. Oh, como ela amava Pitó!

Pitó está a acabar. Maria é encontrada suicidada com a agulha de croché na garganta. Com o olhar fixo no Grande que nunca mais se fez ouvir, parece uma santa assim sentada na sanita com aquele mastro fino e triste a sair-lhe por debaixo do queixo. Tristeza.

Tatá e Mafaldinha conspiram. Pulhas lambe-se de falta de cerveja. E elas conspiram. Pulhas coça entre as pernas. E elas conspiram e reconspiram. Pulhas ergue-se de quadris abertos. E elas olham-no felinas dos pés à cabeça. Pulhas aproxima-se. E elas recebem-no com a boca entreaberta, cheias de festas e lambuzadelas. E agora mais isto. E agora mais aquilo. E Pulhas entra tão alegremente em Tatá quanto Mafaldinha lhe enfia com o facalhão da cozinha entre as vértebras tal e tal que quase furava a mama esquerda da cúmplice, ai!. E Tatá não resiste: morto que fique bem morto e vai agulha de croché da Maria pela garganta de Pulhas abaixo, toma!

Pulhas chegou ao osso. Mas não a fome de Tatá e Mafaldinha que choram abraçadas. Todavia, mal nenhum farão uma à outra. Morrerão de fome juntas. Dignamente. Para que o Grande veja que elas são assim. Porque o grande pulha não é o Pulhas mas o Grande. Sim! E para comemorar tão solene jura, Tatá faz a sua dança das mamas giratórias sobre a mesa da sala, com tal entrega e talento que nunca antes alcançou, nem em sonhos, nem com homens à vista. Mas, oh azar!, acidentalmente escorrega, cai, e bate com a nuca na esquina da dita mesa. E morre. E Mafaldinha acode-a, mas os mortos estão mortos, e só lhe resta gritar. E grita e grita e grita contra o grande Grande grande filho-da-puta que os fechou naquela Casa.

Então, a porta abre-se. E...