10.3.09

Tirem lá a vírgula!

O Procurador Geral da República não poupou nas críticas pelo mau uso da língua, numa audição esta tarde no Parlamento sobre a nova lei que regula a protecção às vítimas de violência doméstica. O PGR diz que é uma lei confusa e mal redigida, e deixou alguns conselhos de bom português aos senhores deputados, àqueles que se entretiveram a mal escrevinhar o texto da lei e aos que a leram e assobiaram para o lado. (som RTP)



"tirem lá a vírgula entre o sujeito e predicado, senão qualquer professor primário se zanga com isto"

O grande problema é que os professores primários e todos os outros estão-se a marimbar se o aluno espeta ou não a vírgula de forma correcta, ou se desdenha o uso da acentuação gráfica quando é necessária. Estão-se nas tintas se os alunos escrevem com erros ortográficos ou não. É-lhes indiferente se quem é ensinado incorre continuamente no alegre pontapé na gramática. Porque a mediocridade se instalou no tratamento da língua e toda a gente (até professores) acha normal que assim seja. O resultado são alunos que quando chegam à idade adulta se tornam profissionais com responsabilidades no bom tratamento da língua, mas que desconhecem as regras básicas para um fiel tratamento do português.

Separar sujeito e predicado através do uso da vírgula é como separar dois gémeos à nascença e entregar um para adopção. É daquelas coisas que não se faz, a não ser que não se perceba mesmo nada do assunto. É algo que deveria ser ensinado como quem ensina que dois mais dois são quatro.

Se professores e classe política não se estivessem nas tintas, certamente outro galo cantaria. É que há coisas que são básicas, meus senhores. Por isso, façam-nos o sacrossanto favor, tirem lá a vírgula!

8 comentários:

mf disse...

Há muitos professores que se importam, Bruno. Mas não conseguem simplesmente resolver o problema. Sabes porquê?
Porque não é pedagógico mandar trabalhos de casa, dizem-lhes. Nem corrigir os erros trinta ou quarenta vezes. Porque os meninos têm todos os direitos, mas não têm o dever de estudar ou de se esforçarem. Porque nada podem fazer se um aluno lhes diz 'não me apetece fazer nada e não faço mesmo'. Porque não podem chumbar uma turma inteira simplesmente porque todos dão erros de palmatória. Porque os programas de Língua Portuguesa estão cheios de inutilidades e florzinhas. Porque o Latim, que devia ser obrigatório pelo menos para quem é de Humanidades, dado o conhecimento profundo que traz sobre a Língua Portuguesa, foi pura e simplesmente menosprezado.
Podia continuar, mas não vale a pena. Deixo-te só um pedido. Não generalizes, por favor. Se o fizeres também cometes um erro. Que não é ortográfico.

Bruno disse...

Só não percebo é por que motivo não se pode chumbar alguém que não sabe a matéria. Então algo vai mal. Quando andei na escola, sempre pensei que a transição de ano implicava um certo grau de conhecimento. E à minha maneira lá me fui esforçando.

Se alguém pega num carro, faz um exame de condução, e vai contra um poste ou passa um semáforo vermelho, o que acontece é que ele chumba. E repete o exame quantas vezes forem necessárias até deixar de cometer esses erros. E se calhar à décima vez ele já sabe que quando aparece um sinal de STOP à frente ele tem de parar qualquer que seja a circunstância. E acaba por lhe ser atribuída a carta.

A verdade é que eu andei na escola e não me recordo de alguém me explicar como deveria escrever uma frase correctamente. Punham-me à frente árvores gramaticais, as quais nunca fui capaz de compreender, nunca me foi apresentada a leitura como um incentivo, mas como uma obrigação. Havia os ditados, algo que julgo terá sido útil. Não percebo nada de pedagogia, nem de formas mais indicadas para transmitir conhecimento, mas acho que algo não está bem.

Acho que vivemos numa cultura em que o facilitismo está instalado. As dificuldades aparecem? Não vamos preocupar-nos em ultrapassá-las. É esperar, e tudo se há-de resolver, nem que seja preciso desenrascar de alguma maneira.

Sou contra o facilitismo. E na escola ainda mais.

Claro que não generalizo. Mas se conheceres algum professor capaz de chumbar uma turma inteira quando todos dão erros de palmatória, diz-me quem é. Terei prazer em conhecer esse professor.

mf disse...

Não se pode chumbar toda a gente que não sabe a matéria porque, nos dias que correm, o que importa, hoje, são as estatísticas e não o real conhecimento dos alunos.

Podes crer que o facilitismo está instalado. Cada vez mais. Ele é ver os meninos a usar calculadora em vez de puxarem pelo raciocínio. Qualquer dia nem saberão escrever com uma caneta (com o Magalhães, para quê gastar tinta e papel?).

As árvores gramaticais e outras coisas que tais fazem parte daquele conjunto de coisas que complicaram o conhecimento da língua ao invés de o facilitarem. Sabes o que fazem os professores? Dão aquilo que os programas os obrigam a dar. Programas feitos por pseudo-conhecedores da realidade escolar, mas sem contacto real com ela. Que acham, por exemplo, que as obras literárias que nós estudámos até ao 9º ano (coitadinhos de nós), não servem para praticamente nada, pelo que é preferível substituí-las por textos utilitários.
O programa é para ser dado, quer seja adequado à realidade da turma ou não. E, se não o deres, tens de justificar as razões. Burocracia por todos os lados.

Nenhum professor é capaz de chumbar uma turma inteira, mesmo que queira. A burocracia aumenta exponencialmente na hora de chumbar pelo menos metade da turma. E há uma vigilância apertada da própria escola, que por sua vez é vigiada pelos canais ministeriais. Se um professor pensasse sequer em fazer tal coisa, acabaria acusado de não ser bom professor, porque não tinha criado estratégias para resolver o problema. Mesmo que os alunos não queiram estudar, mesmo que os pais não cumpram o seu papel de educadores, a culpa, no fim, seria sempre dele. Sempre. Neste momento é o elo mais fraco.
Por alguma razão 85% dos professores deixaria a profissão se pudesse. Eu tenho várias amigas, professoras de Português, que sempre adoraram dar aulas e hoje, se pudessem, mudavam de vida.
São excelentes professoras. Mas não podem lutar contra a máquina do facilitismo e da estatística. No fim, é sempre ela que ganha.

alfabeta disse...

Eles são é todos uns grandes palhaços , que em vez de irem aos assuntos que importam, estão mais preocupados em enxovalharem-se uns aos outros.

alfabeta disse...

Nenhum professor é capaz de chumbar uma turma inteira, mesmo que queira.
mf



Vou pegar nesta parte do texto, para dizer , que na minha opinião, se um professor chumbasse uma turma inteira, então digo, que não sei o que ele tinha andado a fazer o ano todo com os alunos.
Um professor tem o dever de educar,de responsabilizar e de ensinar.Porque é que os alunos, gostam sempre mais de uns professores do que outros? E está provado que um aluno que goste de um professor, porque este cativa os alunos para aprender,não chumba nessa disciplina.
Há professores e professores, no geral são todos bons ou deveriam ser, mas há imensas excepções em que são professores, porque não puderam ser mais nada!

mf disse...

alfabeta disse:
"na minha opinião, se um professor chumbasse uma turma inteira, então digo, que não sei o que ele tinha andado a fazer o ano todo com os alunos."

Estamos a falar de erros ortográficos. Há turmas inteiras de adolescentes, neste momento, a dar erros ortográficos, por exemplo. Se um professor quisesse chumbar a turma inteira por achar que escrevem mal, não podia. E ao fim de alguns anos há erros 'cristalizados' que só com muito acompanhamento (e trabalho e vontade por parte dos alunos) poderiam desaparecer. Cada professor tem à volta de 30 alunos por turma, o que não permite a personalização intensiva, por muito que se queira. E há muitos alunos que dizem na cara do professor que só se preocupam com os erros nos testes de português, porque nas outras disciplinas não se descontam os erros ortográficos e lá fora ninguém se preocupa com isso. O professor pode melhorar alguns alunos, mas não é milagreiro. Por muito que se esfore, muitos continuarão a dar erros.


"Um professor tem o dever de educar,de responsabilizar e de ensinar."

O problema é esse mesmo. Antigamente os professores ensinavam e educavam para a cidadania. Hoje são pais e mães e psicólogos e professores. Muitos alunos há que aprendem as regras básicas da boa educação na escola porque em casa ninguém os educa. Há pais que pedem à escola: 'Por amor de Deus, não o suspendam, porque eu não o aguento em casa' (isto é verídico).
No momento em que professores substituem pais na mais básica educação e responsabilização, alguma coisa está muito errada em muitas famílias.


"Porque é que os alunos, gostam sempre mais de uns professores do que outros? E está provado que um aluno que goste de um professor, porque este cativa os alunos para aprender,não chumba nessa disciplina."

Não chumbar um aluno porque este gosta de nós é errado. Para mim, o aluno chumba se não sabe. Mas hoje em dia, aliás, aluno não chumba, quer saiba ou não. Essa é a política. Aliada a uma estratégia de desresponsabilização do aluno, a quem não é exigido o dever de estudar e de se esforçar, faz recair o ónus de todos os problemas na escola. Mas não se aprende por um passe de mágica. A escola tem o dever de ensinar. Mas o aluno tem o dever de estudar.


"Há professores e professores, no geral são todos bons ou deveriam ser, mas há imensas excepções em que são professores, porque não puderam ser mais nada!"

Tens toda a razão. Eu limitei-me a pedir ao Bruno que não generalizasse. Se ele tivesse dito 'alguns professores' ou 'um conjunto de professores', eu não teria comentado o post.

Bruno disse...

Sim, quando eu disse que os professores primários se estão a marimbar para os erros ortográficos, não me referia a todos, como é óbvio. Em geral, existe facilitismo e um pouco de "deixa andar".

Parece-me inadmissível que quem não saiba escrever correctamente tenha positiva a Português. Não é apenas escrever sem erros. É o tratamento correcto da língua. O nível de aptidão e de exigência deve ser diferenciado, mas em geral não devem ser aprovados alunos que não cumpram os requisitos básicos.

A Alfabeta diz que se alguém precisa de chumbar a turma toda então é porque não está a fazer um bom trabalho.

Isso faz-me pensar que se eu, na minha profissão, cometer erros consecutivos, ou não conseguir cumprir os objectivos que são estipulados, provavelmente vejo a porta da rua entreabrir-se. Ou não me sinto bem naquele papel.

Se um professor não consegue pôr os alunos a perceber matemática, se não consegue pôr os alunos a escrever português... será que se sente realizado profissionalmente? Será que ele questiona o sentido de estar numa profissão na qual não consegue fazer com sucesso aquilo para que é pago: ensinar?

Em última análise, o professor tem um contrato de trabalho que estipula o pagamento em troca de uma tarefa: ensinar...

mf disse...

"Parece-me inadmissível que quem não saiba escrever correctamente tenha positiva a Português."

É inadmissível também para mim. Mas hoje exige-se que avalies não apenas os erros, mas o conhecimento gramatical, a oralidade, a capacidade de interpretação, o comportamento, a participação, etc. Muita coisa entra em consideração, não são só os erros.


"Se um professor não consegue pôr os alunos a perceber matemática, se não consegue pôr os alunos a escrever português... será que se sente realizado profissionalmente?"

Não, não sente. É muito frustrante. É cada vez mais frustrante.


"Será que ele questiona o sentido de estar numa profissão na qual não consegue fazer com sucesso aquilo para que é pago: ensinar?
Em última análise, o professor tem um contrato de trabalho que estipula o pagamento em troca de uma tarefa: ensinar..."

Tu no teu trabalho produzes algo que depende apenas da tua cabeça. Um professor não. Depende em parte dele e em parte da vontade alheia, ou seja do aluno. E, como eu disse anteriormente, hoje não é politicamente e socialmente exigido aos alunos que se esforcem e estudem. Há erros 'cristalizados' que só com trabalho e vontade por parte dos alunos poderiam desaparecer. E há muitos alunos que dizem na cara do professor que só se preocupam com os erros nos testes de português, porque nas outras disciplinas não se descontam os erros ortográficos e lá fora ninguém se preocupa com isso.
Fazes o quê, se se viram para ti e dizem que não querem saber? Que não querem estar ali? Que não precisam de estudar porque gostam mais de jogar isto ou aquilo?
Se não estão habituados a esforçar-se minimamente porque tudo lhes cai do céu?
Continuas a tentar. A preparar aulas. A inventar estratégias para lhes dar a volta. Mas, no fim, se eles não querem, fazes o quê? Pegas-lhes na mão? Fazes os testes por eles?