16.3.09

Portugal: entre a euforia e a depressão





















Com base em algumas concepções, é entendido que a ideia de nação assenta na construção de significados partilhados, interpretados de forma semelhante por um conjunto de indivíduos pertencentes a uma mesma comunidade, delimitada por fronteiras de tipo geográfico, mas também cultural, social, simbólico: a nação.

A apreensão destes significados não é fixa, depende de uma construção social, de convenções e de diferentes contextos sociais; mas só esta estrutura de convicções partilhadas pode explicar o sentido de comunhão e de pertença em volta de um país.

É possível encontrar manifestações da dimensão de nação, usualmente representadas em significantes que incorporam a ideia de nacionalismo, e que ajudam a desvendar uma interpretação de pertença identitária. Tais elementos de significação, conducentes a uma construção simbólica desse modelo, revelam-se em marcas de tipo sintáctico, mas também de cariz simbólico, estes últimos incorporando a alusão a “objectos” que remetem para o ideal de nação, como a bandeira, o hino, o mapa do território, as cores associadas e outros referentes.

A nação é, assim, um empreendimento que resulta de um processo de construção e imaginação de uma comunidade. O processo merece ser valorizado, porquanto esta compreensão do nacional como um conceito de índole subjectiva e quase romanesca potencia a detecção mais inteligível dos mecanismos de construção da identidade a que reportam alguns discursos. Esta edificação do conceito de identidade nacional é produzida com apelo a um imaginário colectivo, o imaginário da nação.

Permite-se assim, de certo modo, compreender os mecanismos utilizados, quer pelos actores sociais, quer pelos media, nesta demanda pelo ideal nacionalista: não se oferece às pessoas a promessa de uma vida melhor, de um melhor emprego, ou de uma melhor saúde. Dá-se-lhes a ideia de que a sua nação é melhor do que as outras, de que a sua comunidade é mais capaz do que as outras, de que a sua força colectiva consegue sobrepor-se à de outras forças colectivas.



Mas a construção da identidade nacional processa-se também pelo discurso da negação. O discurso da construção da identidade nacional afigura-se como o discurso das vitórias e dos sucessos, mas também das derrotas e dos fracassos. Esta espécie de “nacionalismo negativo" apoia-se na exaltação contundente de valores negativos, e processa-se sobretudo nas alturas em que sobrevêm os insucessos. É um discurso que se posiciona em antagonismo à exaltação positiva dos valores nacionais, destacando as carências, promovendo a omissão das virtudes, do mesmo modo que o “nacionalismo positivo” elege as qualidades e omite os defeitos. Ambos, embora com acepções distintas, contribuem para a construção do ideal de nação.

O sociólogo Boaventura de Sousa Santos aludia a um esforço de recentramento da nação portuguesa, consequência do nosso estigma de periferia histórica. A identidade portuguesa é definida com uma cultura de fronteira, assente no cruzamento de traços culturais e na abertura a fenómenos de influência externa. Caracteriza-se a identidade portuguesa como um fenómeno deficitário, por diferenciação e homogeneidade.

A identidade cultural nossa é dominada por uma forma de fronteira, uma zona híbrida, onde é possível reformular constantemente as pertenças e as identidades. Portugal assume assim uma representação de fronteira pendular entre o estigma da periferia e as “imaginações do centro”.

Pode entender-se este conceito de cultura de fronteira como uma das causas da tendência para a ciclotimia que caracteriza o ser português, e que acaba por se repercutir também no modo como são encaradas as vitórias e as derrotas. Talvez por isso seja possível compreender porque passamos tão depressa da euforia ao desprazer.

(Fotografia à bandeira tirada no edifício dos Paços do Concelho em Lisboa)

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