9.2.09

A vez em que ela o traiu comigo












Já aqui se falou de homens que traem mulheres, já procurámos explicações para o fenómeno da traição do macho sobre a fêmea, já concordámos que as mulheres já não assistem de plateia à absurda escapadela do indivíduo a quem entregaram o coração, e uma série de outros apetrechos, e concluímos que, também elas, são agora parte activa neste jogo social da pisadela (calcadela, dirão os amigos do Porto) dos fundamentos da boa relação, ou dos preceitos do matrimónio segundo a Santa Madre Igreja.

Recuemos uns anos, ao tempo em que ela deu uma facada num bolo que se esboroava, um casamento como tantos outros.

Naquela altura eu era apenas um homem descomprometido como outro qualquer, tinha como hoje a vida organizada e não me preocupavam os assuntos de saias, pois era coisa que se resolvia navegando à vista e sem grandes atritos sentimentais. A protagonista da história conheci-a por interposta pessoa. Fomos apresentados, despidos de formalidades, e à conversa juntámos uma dúzia de sorrisos sinceros, que nos aproximaram e revelaram o estranho que em nós havia.

Mostrou-se uma mulher interessante, longe da sofisticação bacoca que algumas tentam fazer passar, mas com a profundidade de certas personagens femininas do universo de Boris Vian. Sendo ela uma pessoa simples, que ainda hoje merece a minha admiração, senti-me convidado a conhecê-la melhor. Mantivemos o contacto.

Algumas semanas depois combinámos reencontrar-nos. Partimos em busca dessa profundidade, e sem mácula no olhar demos várias voltas à garrafa de coca-cola enquanto procurávamos o caminho marítimo para a felicidade, até que lhe perguntei se desejava aceitar o meu convite para dali partimos até minha casa. O trajecto era longo, sem intenções secundárias de maior que não a de partilhar um instante e prosseguir a conversa num ambiente mais recolhido. O caminho fez-se com a certeza de que o tempo é eterno, não acaba. Chegámos antes do tempo acabar. No saco, uma outra garrafa de coca-cola e aqueles rebuçados de que ela gostava.

A pouco e pouco, a aproximação tornou-se mais "concreta". Uma olhar, um silêncio, uma dança. Um beijo arrancado à proa. E mais beijos que se seguiram. Beijos como poucos que terei recebido, porque há afinal mulheres que sabem conquistar um homem também pela forma de beijar.

Senti que se sentia bem nas minhas mãos. Como igualmente eu me sentia nas dela. Quis o destino que os nossos lábios se encontrassem e se tivessem conhecido profundamente naquela noite, em volta de uns copos de coca-cola. E nada mais sucedeu sob os auspícios daquela lua.

O chamamento da paixão (ou do desejo, ou do que quer que tenha sido) voltou a juntar-nos alguns dias depois. Um fim de manhã, de verão, quente como só os nossos corpos poderiam igualar. O Amor revelou-se, em catadupas de desejo, e naquele momento ela traiu-o comigo.

E naquele momento também eu me senti um pouco traído. Senti que nem sempre a mente e o corpo caminham de mãos dadas, e nem sempre puxam para o mesmo lado. Não mais voltámos a responder aos nossos desejos. Só encontro o sentido deste episódio se reposicionar o meu corpo naquele tempo, se me transportar de armas e bagagens para aquele instante. Senti-me traído por mim próprio, traído nos meus princípios, levado pela força daquele momento. Não aconteceu outra vez. Talvez tivesse gostado que aquilo se repetisse, pelo menos uma vez mais. O dia em que ela o traiu serviu-lhe talvez para se revitalizar, para reinventar a relação, o casamento que se esfarelava conquistou novos trilhos, vai caminhando.

Dos casos de traição feminina de que tenho conhecimento, dos quais este é o único que protagonizo (pelo menos que eu saiba), os casamentos resistiram e prosseguiram. Os homens, os que souberam que foram alvo de traição, perdoaram e escolheram a pessoa que os traiu. Não procuro explicar, mas reflicto sobre isto. Muito se discutiu sobre o facto de o homem trair a mulher (e das mulheres que traem os homens), mas ninguém soube explicar por que razão acontece... e também eu não adivinho.

3 comentários:

Anónimo disse...

Olá Bruno,

Escapadinhas serão dadas por eles e elas, basta não estarem satisfeitos a 100% com o que se tem em casa! E basta alguém se cruzar no nosso caminho, e preencher-nos as lacunas!
Não é difícil perceber, basta fazer-se uma análise da relação e tentar perceber o porquê da facadinha que se levou! É como pegar num pedaço de bolo e tentar descobrir quais são os ingredientes.
Já diz a sabedoria popular: procura-se fora o que não se tem dentro de casa".
Porém, não é uma questão tão linear como possa parecer. Acredito que existem homens e mulheres que têm a nítida necessitade de conhecer parceiros(as) diferentes, pois é o acto da descoberta que se torna excitante e não a pessoa em si!

Uma abraço

Bruno disse...

Devo confessar-me um adepto das escapadinhas. Não dessas que implicam desligar-nos de alguém para nos ligarmos a outro qualquer, mas das escapadinhas de fim-de-semana com a pessoa certa. Ajudam a arejar as ideias e a desfrutar do que o mundo tem para nos dar. E para sairmos um pouco da redoma em que nos instalamos como se nada de mais importante existisse.

alfabeta disse...

Nos 10 mandamentos,um deles diz, não cobiçais a mulher do próximo.
Nós mulheres fomos privilegiadas,porque não diz, não cobiçais o marido da próxima, lol


Agora a sério, as mulheres de hoje já não assistem com muita serenidade a uma traição e ainda bem!