4.2.09

O dia em que me confundiram com um gajo qualquer








Não sei porquê, mas parece ser comum quando se entra num táxi sermos confundidos com alguém que não fazemos a mais pequena ideia quem seja. Não foi a primeira, nem a segunda vez, que entrei num táxi, indiquei o destino, e recebi de resposta um: "o senhor não faz de... naquela série da... que passa a seguir ao..."; isso, ou sermos fisgados com um olhar esquisito, a meio caminho entre o quem acabou de apanhar uma criança que fez asneira, e aquele encantamento tímido de quem não sabe onde pôr a cara quando se sente espantado com alguma coisa.

Sinceramente, não estou a identificar em mim traços que me aproximem de qualquer personagem dessas que pontuam nas pantalhas cá do burgo. Não tenho a boca torta do Miguel Sousa Tavares, não tenho o cabelo espetado do Serginho das Noites Marcianas, não tenho os marmelos pontiagudos da Maya das cartas adivinhatórias. Ou seja (julgava eu) sou um simples anónimo, de quem as ocasiões em que apareceu na televisão já terão sido apagadas, até dos arquivos da RTP Memória.

Mas não, existe afinal quem reconheça em mim alguém que não sou, e há quem queira levar por diante essa convicção:

"Eu gosto de vê-lo"
"Mas o que é que anda a fazer agora... vocês gravam aquilo mas só passa meses depois, não é?"
"Nem sempre vejo, semana sim, semana não, pego no carro às oito."

E não adianta insistir em que nada tenho a ver com tal série, ou novela, que logo me responde "mas olhe que parece..."

Começo a pensar que talvez seja um desbloqueador de conversa, talvez me cruze com taxistas deprimidos, que querem falar e procuram um mote. Talvez achem que poderei dar uma boa conversa. Já apanhei taxistas de imaginação fértil, que claramente inventavam histórias para entreter o cliente. Imaginem, é como entrar numa sala de cinema e à nossa frente ver desfiar-se todo um enredo felliniano, agora com imagens a acompanhar, a TV Táxi, publicidade, anúncios a espectáculos que já aconteceram, ruído, vertigem, o taxista a contar-nos a vida e o fim do mundo em cuecas, Fontes Pereira de Melo, semáforos com falta de ar, falta de pachorra, falta de respostas...

É daquelas situações que se vivem e às quais não sabemos como devemos reagir. Um dia, em Itália, disseram-me que era parecido com um famoso cantor italiano: "O Pavarotti?", perguntei, com alguma ironia. Era um qualquer outro, que nunca cheguei a conhecer, mas que imaginei um clone meu, mas com mais estilo e mais jeito para cantar. Um Tony Carreira qualquer à moda italiana, talvez. Passei o resto daqueles tempos de vertigem transalpina a andar com muito mais cuidado na rua, que nunca se sabe de que esquina emerge o próximo mafioso sanguinolento.

Já faltou mais para me pedirem um autógrafo. E já faltou mais para oferecer um. No final da corrida, assino a factura: "uma rubricazinha aqui, faxabôri"

2 comentários:

Anónimo disse...

Olá Bruno,

Não é descabido ser-se apanhado de surpresa com algumas semelhanças que possamos ter com determinadas personagens.
O importante é manter a postura do nosso ser e orgularmo-nos do que somos.
Porém, é engraçado quando alguém nos olha e capta algo que lhes chama à atenção, relacionando com o que lhes é familiar.
Desfrute desses momentos e não se deixe absorver por tais comentários.

Um abraço

Bruno disse...

Olá, Anónimo! Não me chateia que me confundam com este ou com aquele. Mas acho estranho, e parece que é sina nos táxis.
Nunca te aconteceu ires no meio da rua e alguém te abordar e dizer-te que te conhecia de um lado qualquer, mas não se lembrava? Toda a gente já passou por isso, e é uma daquelas situações mais ou menos constrangedoras. Nunca dá para perceber se a pessoa nos conhece (e se nós a conhecemos), se é apenas maluca, ou se está a gozar com a nossa cara.
Mas os taxistas têm todos uma pancada forte, por isso já nada me cria engulhos quando tenho de me servir de um táxi.