17.2.09

Desencontro Pontual
















Por vezes, para encontrar o caminho, é preciso voltar para trás. E não há que ter medo em encetar o caminho inverso. Eu nunca tive medo. Mas também nunca voltei para trás. Mas já me apeei em algumas estações e parti para outros destinos. E também já fui apeado.

"Um homem nasce num comboio, numa carruagem de segunda. É amamentado com o leite proveniente das diversas estações em que o comboio pára. O homem cresce, aprende as coisas triviais, ainda que necessárias, que o amarram à realidade concreta, mas nunca abandona o comboio. Vive uma existência tranquila sem fazer outra coisa senão olhar pela janela, até que o bichinho do amor começa a cavar a sua toca entre a pele e a camisa dele. O homem descobre então que possui um dom desconhecido. Pode evitar qualquer espécie de complicação existencial pelo mero facto de se apear na estação seguinte e tomar o comboio em sentido inverso. Pode repetir esse ardil salvador sempre que quiser, quando a mínima dificuldade ameaçar transtornar a sua tranquila vida de passageiro."

in conto Desencontro Pontual, de Luis Sepúlveda

2 comentários:

Patrícia Villar disse...

Parar nas estações, voltar para trás...ficar apeado, ou seguir até à próxima estação é o que nos torna vivos...

O pior mesmo é quando se "Vive uma existência tranquila sem fazer outra coisa senão olhar pela janela"...disto sim, tenho medo.

Bruno disse...

Olá, Pat!
Devo dizer que gosto mesmo deste excerto. E de todo o conto.
Concordo com o que dizes, mas tenho a noção de que há momentos em que o melhor que temos a fazer é viver uma existência tranquila e esperar que o comboio da nossa existência nos conduza a algum lado.
Fiz o inter-rail várias vezes e quando iniciava uma viagem tinha destino marcado, mas depois de chegar ao destino acontecia muito voltar para trás. Menos vezes acontecia sair numa qualquer estação a meio do caminho.
Há destinos aos quais não podemos escapar. O que podemos é tentar fazer com que o caminho até lá seja o menos desinteressante possível.